SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A decisão do Inep, autarquia ligada ao Ministério de Educação, de deixar de tornar públicos os microdados das avaliações de ensino e levantamentos oficiais já afeta o trabalho de pesquisadores, apontam especialistas e entidades da área.
Os microdados são a menor unidade possível de análise e permitem verificar a trajetória individual de cada estudante, professor ou unidade de ensino.
A mudança na forma de divulgação começou em 18 de fevereiro. O Inep justifica a decisão por considerar que a forma antiga de divulgação das informações contrariava a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), sancionada em 2018.
Agora, sem as informações disponíveis no site do instituto, os pesquisadores não conseguem fazer as próprias tabulações e ficam dependentes dos números totalizados e sem detalhamento divulgados pelo governo.
As bases de dados referentes ao Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), por exemplo, não disponibilizam mais os números de desempenho de cada instituição de ensino. No caso do Censo Escolar, as informações referentes ao perfil racial dos estudantes não estão mais disponíveis.
Não há um levantamento que expresse a totalidade de dados que ficaram restritos, mas pesquisadores afirmam que as retiradas das variáveis das escolas e do perfil racial são as que mais prejudicam os trabalhos acadêmicos.
Em julho, a ONG Todos Pela Educação anunciou que não produzirá a versão de 2022 do Anuário Brasileiro da Educação Básica, que vinha sendo publicado desde 2012. Segundo a organização, o motivo é a alteração na divulgação dos dados pelo Inep.
O diretor de Políticas Educacionais da entidade, Gabriel Correa, afirma que a mudança é um retrocesso. "Quando olhamos o panorama da divulgação dos dados educacionais, o Brasil aparece com um destaque positivo em publicações internacionais", diz.
O órgão oficial se apoia em uma análise da sua procuradoria jurídica que avaliou o que órgão poderia responder por improbidade, omissão e ilegalidade em caso de representação junto à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados).
Além disso, um estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) encomendado pelo instituto apontou que os dados detalhados abriam brecha para a identificação pessoal dos estudantes.
"O uso de três identificadores (mês, ano de nascimento e código da escola em que estuda) permite identificação com probabilidade de acerto de até 29,64%. Se usados quatro identificadores, a chance de sucesso aumenta para 49,86% e, com o uso de todos os dez identificadores, o risco é elevado para 75,51%", afirmou o Inep em nota enviada à reportagem.
O professor Mário Sérgio Alvim, do departamento de Ciência da Computação da UFMG, participou do estudo e diz que ele foi feito de maneira técnica e observando a privacidade dos titulares dos dados.
"Nós analisamos a questão da privacidade na forma como os microdados eram divulgados até 2019 e de seu impacto na utilidade da informação provida para os consumidores e analistas de dados. Fizemos recomendações para o Inep, mas não chegamos a participar da reformulação da forma de divulgação adotada pelo instituto", afirma.
Sobre as críticas em relação à nova forma de divulgação, o Inep diz que as informações consideradas sensíveis ainda podem ser encontradas pelo Sadp (Serviço de Acesso a Dados Protegidos). Os pesquisadores dizem que essa opção é insuficiente, porque, hoje, só é possível acessar as chamadas salas de sigilo estando em Brasília.
"Isso tem um impacto no monitoramento de dados na educação para as ONGs e plataformas que trabalham com isso. A gente tem estrutura e consegue mandar pesquisador para Brasília para levantar os dados. Mas e quem está fazendo iniciação científica ou um trabalho de conclusão de curso?", questiona Ernesto Faria, diretor do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional).
O Inep afirma que pretende ampliar a política das salas de sigilo, a partir do convênio com instituições de ensino. No entanto, não respondeu se há um prazo para que isso aconteça nem quantas salas deste tipo serão instaladas.
Para Paulo Rená, do Iris (Instituto de Referência em Internet e Sociedade), "o governo deve colocar em pé de igualdade tanto a proteção de dados quanto a compreensão de que esses dados para pesquisadores são insumos", afirma.
Ele aponta que os dados considerados sensíveis poderiam ser divulgados utilizando pseudônimos, por exemplo.
A advogada Karolyne Utomi, especialista na LGPD, diz que é preciso buscar um meio-termo. "É fato que a medida do Inep inviabiliza diversas pesquisas, mas também é fato que a lei protege esses dados. É preciso definir uma forma de divulgá-los sem ferir a lei, já que eles também servem para o desenvolvimento de políticas públicas", afirma.
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