BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Fiscalizações do Exército mostram que clubes de tiro funcionam com falta de controle adequado de frequentadores ou mesmo sem alvará.

O Exército também encontrou loja armazenando armamentos acima do limite permitido e CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) com certificado de registro da arma de fogo vencido.

A Folha teve acesso a documentos reservados da Força que mostram quais são as empresas autuadas pela instituição devido a irregularidades. Além de CACs, nos relatórios de fiscalização constam clubes de tiros, lojas e a própria indústria de armas, incluindo fabricantes de explosivos e blindados.

O Exército autuou, por exemplo, o Clube de Tiro Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, pela falta de controle das pessoas no estabelecimento. O fato ocorreu durante uma operação em julho do ano passado.

O local autorizou a entrada de cinco atiradores com irregularidades na documentação, sendo quatro com a guia de tráfego vencida (documento que autoriza o transporte da arma), e um sem a guia e o certificado de registro da arma de fogo.

A Força também autuou o Clube de Tiro Esportivo São Carlos, em São Paulo, por não possuir alvará de funcionamento e plano de segurança, além de deixar de fiscalizar os CACs no estande. Os problemas foram constatados durante uma operação em agosto de 2020.

O Clube de Tiro Cachoeiro de Itapemirim e o Clube de Tiro Esportivo São Carlos foram procurados pela reportagem, porém não responderam.

O Clube de Tiro Army, em Niterói (RJ), foi encontrado funcionando durante fiscalização em março do ano passado. O local estava com o certificado de registro suspenso após um incêndio com morte e quatro pessoas feridas seis meses antes.

Entretanto, o Exército não disse no documento o procedimento adotado em relação à ocorrência.

"No local existe uma loja que comercializa PCE (Produtos Controlados pelo Exército) e outros bens, e um clube de tiro. O clube interrompeu suas atividades mesmo sem ter recebido comunicação formal do Exército sobre a suspensão. A loja continuou funcionando sem comercializar PCE", afirmou Yuji Ito, advogado que representa o clube.

O Exército também não encontrou uma pistola no acervo do Centro de Treinamento Gladius Combat, em Feira de Santana (BA). Um sócio-proprietário era CAC e estava com a arma em outro local, que não foi mencionado no documento. A Polícia Civil o prendeu.

O centro foi procurado, mas não respondeu.

A Folha procurou o Exército na última quarta-feira (24) com perguntas sobre o procedimento de fiscalização e os eventuais processos administrativos envolvidos; também questionou as hipóteses que podem levar ao fechamento dos estabelecimentos. A Força não respondeu.

De acordo com os documentos, o Exército fiscalizou ainda lojas de armas que apresentaram irregularidades. Em uma das fiscalizações em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, em abril do ano passado, o Exército apontou no relatório a suspeita que lojas recebiam munições por contrabando ou de CAC para vender ilegalmente sem documentação. No entanto, não especificou quais lojas seriam.

A Casa Braço de Prata, em Santa Bárbara D'Oeste (SP), recebeu uma autuação por armazenar armas acima do limite permitido durante a Operação Spartacus, em setembro do ano passado.

Durante a operação, o Exército apreendeu 158 armas da loja, que continuaram em posse do local (fiel depositário) até a regularização da situação. Uma das pessoas que visitaram a loja neste ano foi o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro (PL) e defensor da pauta armamentista.

A Casa Speratti Caça e Pesca, em São Paulo, foi autuada porque não comprovou origem lícita de arma de fogo e por armazenar produtos controlados sem a autorização do Exército. A Polícia Civil prendeu o administrador.

Ao tentar fiscalizar a loja Security Import Guns, em Santo André (PE), o Exército soube da mudança de endereço para outro estado. "A loja não foi encontrada. Segundo o porteiro do edifício comercial, a loja havia se mudado para João Pessoa (PB)", disse o Exército, na documentação.

Os estabelecimentos foram procurados, no entanto não responderam.

Com as flexibilizações no governo Bolsonaro o número de clubes de tiros cresceu 1.162%, segundo dados do Exército obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação). Até junho deste ano, havia no país 1.906 estabelecimentos do tipo, contra 151 no final de 2019.

Já em relação a lojas de armas, o crescimento foi de 58%. Em junho de 2020, havia 1.862 lojas, contra 2.937 no mesmo mês deste ano. Os dados do Exército de lojas de armas foram organizados pelo Instituto Sou da Paz e pelo Instituto Igarapé.

O governo já editou 19 decretos, 17 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que flexibilizam as regras de acesso a armas e munições.

As medidas adotadas pelo governo ampliam o acesso da população a armas e munições e, por outro lado, enfraquecem os mecanismos de controle e fiscalização de artigos bélicos.

Os CACs têm sido beneficiados com uma série de normas no governo do presidente Bolsonaro. A fiscalização desse grupo também é de competência do Exército.

Em um dos casos do relatório, a Força autuou um CAC de Salvador (BA) com 11 pistolas e dez revólveres com certificado de registro da arma de fogo vencido. Além disso, faltava em seu acervo uma pistola. O armamento foi apreendido, mas o atirador ficou como fiel depositário.

Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, avalia que as irregularidades encontradas são graves. Além disso, chama a atenção para a quantidade de autuações frente ao número de fiscalizações. Segundo os relatórios, numa operação de até três dias os militares costumam realizar ao menos dez autuações.

Para o especialista, existem hoje, devido às flexibilizações do governo Bolsonaro, muitos mais CACs, clubes e lojas abertos, o que piora o cenário. Isso porque o Exército já tem histórico de baixa fiscalização. Os relatórios apontam ainda a falta de estrutura básica para a atuação dos militares, como telefones e internet móvel, requisitos essenciais para checagem dos sistemas.

Ivan Marques, advogado e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disse que os casos reforçam a necessidade de fiscalização do Exército e mostram o resultado de um crescimento descontrolado de lojas de armas, clubes e CACs.

Segundo o advogado, a política de incentivo precisa vir junto a um Estado forte e capaz de evitar desvios do mercado legal para o ilegal.

"O Exército nunca fez a fiscalização de maneira satisfatória para quem está no clube de tiro e no entorno. O clube não é só um local recreativo, representa risco para as pessoas que vivem próximas porque o local pode receber ataques de criminosos que desejam roubar as armas. Esse é um exemplo de como o mercado ilegal se abastece de armas legais", avaliou.


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