SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Muito se fala sobre a importância da doação de roupas, mantimentos em geral, sangue e até mesmo de dinheiro. Mas em meio a rotinas tão atribuladas, o tempo também se tornou uma fonte de doação bastante valiosa.
Bem no começo da pandemia, quando os protocolos de isolamento social estavam mais rígidos, ficou difícil contribuir em atividades filantrópicas de forma presencial. Somado a isso, muitos idosos precisaram enfrentar a nova realidade sozinhos.
Durante sua pesquisa de doutorado, a comunicóloga Marília Duque estudou o impacto dos smartphones para a experiência do envelhecimento e defendeu a tese de que o aplicativo com o qual os idosos têm maior familiaridade é o WhatsApp.
"Quando a pandemia começou, uma das iniciativas do governo brasileiro foi criar um aplicativo como o Coronavírus Sus, por exemplo. E o que me preocupou é que se esse canal passou a ser o oficial para centralizar informações e mesmo conduzir triagens, alguns idosos não iam fazer o download porque eles estavam isolados e não podiam pedir ajuda."
Daí surgiu o projeto Anjo no WhatsApp, em março de 2020, como uma campanha de conscientização que sugere que as pessoas busquem em suas redes de contato idosos que precisem de apoio ?tanto para tirar dúvidas e falar sobre seu estado de saúde, como para combater o sentimento de solidão. "É só estar disponível para conversar", diz o site.
Mas o que era um projeto para apenas o início do isolamento social se estendeu até agora. Duque afirma que continua mantendo contato com uma idosa. "Essa construção de uma conexão com uma pessoa que você nunca viu, num contexto pandêmico, foi algo muito bonito."
E, para ela, o projeto mostrou que a doação de tempo para os outros não é algo de difícil acesso. "Um mantra do projeto era 'comece pequeno, comece por perto e faça uma grande diferença'", afirma. "Acho que a perspectiva do voluntário é muito isso, fazer com aquilo que se pode."
Para a jornalista e editora de livros Silvia Prevideli, que aderiu ao projeto, o Anjo no Whatsapp "trouxe um pouco de olhar para a solidão e um resgate da preocupação que eu tinha com a minha mãe quando era viva."
Ela já havia participado de trabalhos voluntários anteriormente e conduz uma ação dedicada a animais em seu condomínio, mas acredita que esse tipo de iniciativa pode ser uma porta de entrada para a doação de tempo das pessoas. "Porém não se engane achando que é simples; todo 'modelo' [de voluntariado] requer sua dose de dedicação, criatividade e afeto."
Outra iniciativa que teve início na pandemia, também com os idosos como foco, foi o projeto Doa Tempo ?este já encerrou o ciclo de atividades. Por meio da plataforma, o voluntário tinha acesso a uma lista de casas de repouso em todo o Brasil e podia falar com idosos pelo telefone.
A estudante de psicologia Giovanna Régis, 22, que participa de atividades voluntárias desde os 15 anos, conta que o projeto foi uma boa ideia para continuar mantendo contato com instituições a distância.
Quando era adolescente, a estudante conseguia ir durante a semana em ações de caridade, mas com o ingresso na faculdade ela precisou manejar melhor o tempo ?e não abre mão de ir aos locais que contribui pelo menos uma vez na semana. "Vai muito do perfil de cada um, é raro encontrar pessoas que estão dispostas a abrir mão do conforto, dos próprios compromissos para servir e ajudar outras."
Felipe Lima, administrador da casa de repouso Luz Divina, defende a importância do trabalho nesse local. "A doação de tempo impacta principalmente no senso de relevância e importância das pessoas e no resgate de memórias afetivas dos idosos. Isso acaba mudando o dia deles."
Para Lima, o trabalho voluntário pode ter mais valor do que dinheiro. "Para doar financeiramente a pessoa só precisa fazer um Pix em poucos minutos. É menos cômodo doar tempo, você precisa se envolver", compara.
Giovanna Régis defende um maior engajamento dos jovens com o voluntariado. "Eu acredito que o problema [das iniciativas de doação de tempo] não é o fato de ser menos divulgado, mas sim que as pessoas não abraçam projetos como esses."
É pensando nessa maior adesão da juventude em projetos sociais e na extensão do ambiente acadêmico para trazer impacto à população que o Centro de Voluntariado Universitário (CVU), fundado em 2011 por estudantes e professores, atua em oito núcleos (Bauru, Franca, Limeira, Ribeirão Preto e São Carlos, no interior de São Paulo, Maringá, no Paraná, Uberaba e Uberlândia, em Minas Gerais).
Para estudantes que não têm experiência profissional e que desejam incrementar o currículo, se envolver com esse tipo de trabalho pode trazer capacitação e até mesmo um contato prático com a área que cursa.
"Acreditamos que tudo que podemos oferecer pode ser direcionado para impactar a vida de terceiros, desde a nossa área de marketing até a parte de cultura [promoção de ações solidárias]. Nem sempre podemos ofertar muito, principalmente sendo universitários, às vezes a única coisa que temos é tempo e dedicação", explica a estudante de engenharia ambiental Muriel Ferreira, que integra a equipe da entidade há quatro anos.
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