RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - Uma fonoaudióloga e uma terapeuta ocupacional são investigadas por tortura contra crianças com autismo em uma clínica particular de Duartina, cidade a 360 km de São Paulo.
Segundo a Polícia Civil, os pacientes eram trancados e isolados sob sol forte, ficavam com as roupas sujas de urina e até recebiam tapas no rosto quando estavam sem os pais por perto.
Os advogados das duas suspeitas --a fonoaudióloga Bianca Lopes e a terapeuta ocupacional Gabrielle Cezar-- afirmaram, em nota, que as duas estão colaborando com as investigações e os documentos apresentados até o momento "não são suficientes para embasar as alegações".
A polícia apura ainda se a fonoaudióloga ordenava que os funcionários deixassem os pacientes em um corredor exposto ao sol forte. Ela era a dona do consultório, que hoje está desativado, e a terapeuta era sua funcionária. O local já passou por perícia.
"São crianças, que ficavam em uma área de sol, em um sofrimento muito grande, isoladas. Tinha uma torneira e um ralo onde os meninos urinavam. Por isso, em tese, ficavam ali, para não sujar a clínica. Um verdadeiro cárcere", disse o delegado Paulo Calil, responsável pelo caso.
O inquérito foi aberto com base na denúncia e relatos de uma ex-funcionária. Segundo a polícia, ela afirmou ter testemunhado os maus-tratos e apresentou conversas em aplicativos de mensagens nas quais as suspeitas xingavam crianças e falavam em confinar os pacientes.
Quando contrariavam as profissionais, segundo a polícia, as crianças eram trancados em uma área externa aberta ao sol, na qual ficavam sozinhas, apenas com um ralo para urinar.
Os pacientes tinham idades entre um ano e meio e nove anos. Em comum, apresentavam limitações de autonomia.
A polícia diz também ter um áudio no qual a fonoaudióloga dá um tapa em uma das crianças e uma foto em que um paciente aparece preso em um corredor. Ainda segundo os investigadores, a perícia confirmou que os dois conteúdos são autênticos.
As suspeitas devem responder em liberdade, segundo o delegado, porque possuem endereço fixo, bons antecedentes e têm colaborado com a investigação. Elas serão intimadas a depor logo após o laudo final das psicólogas.
A denúncia inicialmente foi feita em agosto do ano passado e até o momento quatro mães já prestaram queixa.
A mãe de uma das vítimas, hoje com três anos, contou que o filho fez tratamento com as duas por seis meses e não apresentava nenhuma evolução, especialmente da fala.
Segundo a mãe, Lopes só isolava e expunha a situações degradantes as crianças que não falavam e não podiam denunciar o abuso aos pais; a terapeuta, conforme esta mãe, compactuava com a cena e debochava da situação.
Uma das crianças, de nove anos, teria perdido o interesse pelos brinquedos, além de ter desaprendido a sentar e a usar o banheiro no período em que foi tratado na clínica. A mãe atribui essa regressão no comportamento ao tratamento com a fonoaudióloga. Algumas famílias pagavam de R$ 4.000 a R$ 9.000 mensais pelos serviços.
Em nota, o escritório Piccirilli & Piccirilli Advogados, que faz a defesa de Lopes e de Cezar, reforçou o comprometimento das suspeitas em colaborar com as investigações policiais "para o esclarecimento das fortes acusações." As informações existentes até agora "não indicam de forma cabal a ocorrência de qualquer ilícito, devendo a constitucional presunção de inocência ser preservada", diz o comunicado.
Ainda conforme a defesa, as duas profissionais "e seus familiares vêm recebendo ameaças e enfrentamentos, sendo que membros da família tiveram de, inclusive, deixar suas casas sob temor de qualquer represália."
Em nota, o Conselho Regional de Fonoaudiologia da 2ª Região manifestou solidariedade às famílias e repudiou "veementemente" as condutas denunciadas por ferirem os princípios éticos da profissão, o Estatuto da Criança e do Adolescente e os direitos humanos.
A entidade declarou que acompanha o caso junto às autoridades policiais e deve se orientar pela Resolução do Conselho Federal de Fonoaudiologia para apurar a conduta de Lopes ao final do inquérito civil.
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