SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A primeira viagem de um trem do Metrô no Brasil completa 50 anos na próxima terça (6). O evento fez parte das comemorações do Sesquicentenário da Independência em São Paulo. Era só um protótipo com dois carros, rodou por cerca de 500 metros, sem passageiros, mas representou um salto tecnológico marcante para a época.

Também havia muita tensão, plateia escolhida a dedo, militares por todos os lados e até ameaça de bomba, tudo sob os olhares de Emílio Garrastazu Médici, general que comandou o país nos anos mais tenebrosos da ditadura (1969-1974). Daquela época de chumbo há resquícios por aí, entre os quais os dois carros que serviram de protótipo. Eles já foram reformados e hoje fazem parte da composição I24, ainda em operação na linha 1-azul.

Quem lembra de tudo o que aconteceu naquele dia é Claudio de Senna Frederico, 80, engenheiro responsável pelas operações do Metrô na ocasião e que depois ocupou diversos cargos públicos e secretariados relacionados à mobilidade --foi muito próximo do ex-governador Mario Covas (1930-2001).

Na semana passada, Frederico voltou ao pátio do Jabaquara, na zona sul. Pôde, enfim, fazer uma viagem da qual se viu impedido de tomar parte há meio século.

A última terça (30) foi um típico dia gelado de fim de agosto, com o sol tentando escapar pelas nuvens cinzentas da capital paulista. Vestido despojadamente, com jaqueta e tênis, ele caminhou rapidamente pela passarela de concreto em meio aos trens do pátio, até chegar ao primeiro carro da composição I24. Foi ali que trouxe a história em detalhes.

"A gente iria receber um protótipo, veja só. Era completamente novo e a chance de dar problema era muito grande", afirma. "Acabamos com, praticamente, duas semanas entre receber o trem e apresentar a um presidente da República, o qual ainda foi convidado a ir dentro dele."

Frederico diz que o nervosismo dessa situação e a possibilidade de fracasso eram enormes. "Isso com gente que era totalmente nova. Os operadores tinham acabado de entrar."

Para piorar, receberam a informação de que havia uma ameaça de bomba para o dia da inauguração, o que mobilizou os militares responsáveis pela segurança de Médici e causou uma série de transtornos para os encarregados de fazer o trem andar.

Segundo Frederico, um general e seus comandados promoveram uma revista nos dois carros, às vésperas do evento. Uma situação descrita hoje com graça, como piada, mas que poderia ter terminado em tragédia.

"Eu estava lá dentro, nervoso, porque estávamos bloqueando a obra. Então gritei para o operador 'fecha a porta e manda bala, porque o general já está dentro'. Os caras [militares] então todos sacando arma, dizendo 'o que é isso'. E eu 'calma, foi uma expressão'", conta Frederico, rindo --ele próprio filho e parente de militares.

Por fim, ficou decidido que Médici não embarcaria no trem e acompanharia tudo de um belvedere. O general que mandava no Brasil à época promoveu então um acionamento "fake", dando ordem a distância, como se ao apertar o botão de uma sirene o protótipo imediatamente seguisse viagem.

Não existia tecnologia capaz de fazer isso à época, então a equipe de metroviários se desdobrou para passar a impressão de que o comando que fez as rodas girarem tinha partido, de fato, de Médici. Primeiro, botaram um responsável pelo planejamento próximo ao presidente, com um radiocomunicador.

A função desse metroviário seria ficar de olho no dedo do general e comunicar o pressionamento do botão ao operador do trem. Mas um sujeito com um rádio gigante, falando baixo, perto de Médici, não passaria batido em 1972. "O pessoal 'crau', rampeou [deteve] ele. A sorte é que grampearam tão antes que deu tempo de haver as explicações e ele foi liberado. Um alívio", conta o engenheiro.

O alívio durou pouco. As antenas dos militares cortavam a comunicação dos civis envolvidos no evento, e Frederico conta que teve que se virar com a situação, pedindo, já não tão educadamente assim, que os responsáveis pela segurança do ditador dessem um jeito. "Avise dez minutos antes que a gente 'faz silêncio' [desliga as antenas]", foi o que ouviu de um oficial.

Por fim, Médici apertou o botão, o aviso chegou ao operador Antonio Lazarini e o trem partiu. Sem bomba e sem Frederico. "Eu falei 'tenho que ficar para administrar esses caras'", conta. Frustrado? "Alguma frustração, sim. Mas nunca fui muito de ficar na linha de frente, de dar muita importância a aparecer. A 'briga' da cabine", diz.

Não falta orgulho, porém, para o engenheiro que alternava cabelo comprido ou barba volumosa em fotos dos anos 1970, além de visitar destinos como Machu Picchu. "Aquele dia deu a sensação de que valeria a pena. 'Vai dar certo esse troço, vai dar certo'. Nós temos que existir, que ter coragem e propósito. Não era meramente coragem e vamos ganhar um monte de dinheiro", conta. "Uma coisa que depois eu vá olhar para trás e dizer 'eu fiz aquele negócio'. Para todo mundo, não só para você."

Segundo o engenheiro, esse espírito permitiu que o metrô de São Paulo servisse de abrigo para pessoas de origens as mais diversas, incluindo aquelas que eram malvistas pelo regime ditatorial, como os sindicalistas.

O engenheiro que participou dos primórdios do metrô paulista conta com orgulho também de outras histórias e diz que vale a pena ter uma visão coletiva. "Não é só a minha visão. É coletiva, e isso existia muito na época, por mais técnico que o cara fosse", conta. "A gente sonhou mais do que realmente aconteceu, mas o projeto era muito audacioso. A possibilidade de ter sido um péssimo investimento, de nada ter dado certo, era enorme."

Pouco antes de deixar o trem que entrou para história, Frederico fez uma pausa na última terça e se recordou do próprio pai, um almirante que morreu aos 102 anos e, aos 90, teve a oportunidade de voltar a um navio depois de muito tempo. Até pouco antes de contar sobre isso, os olhos do engenheiro teimavam em não marejar. "Naquele dia, meu pai disse 'nunca pensei que pisaria num convés novamente'. Eu estou me sentindo assim agora, aqui."


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