SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No começo de junho, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) talvez tenha imaginado que estava botando um ponto final no debate sobre a cobertura de procedimentos não incluídos na lista de referência da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Ledo engano. Apesar de a corte ter decidido que as operadoras de planos de saúde são obrigadas a bancar, com poucas exceções, somente o que constar do rol da ANS, o Congresso e, em alguns casos, o próprio Judiciário encaminharam a discussão em sentido oposto.

Em agosto, Câmara e Senado aprovaram projeto de lei que resgata o rol exemplificativo, em contraposição ao rol taxativo. No primeiro, a lista da ANS serve de referência para os planos de saúde; no segundo, ela é definitiva, sem margem para interpretações.

A proposta ainda depende de sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL).

No Judiciário, vinha prevalecendo o rol exemplificativo, mas o julgamento no STJ mudou esse quadro. Só que nem todos os tribunais do país mostraram concordância com o novo entendimento.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) é um exemplo. Apesar da posição tomada pelo STJ, alguns processos analisados por desembargadores paulistas tiveram desfecho favorável a pessoas que buscaram tratamentos fora da lista da ANS.

O advogado Tiago Moraes Gonçalves, diretor do IBDS (Instituto Brasileiro de Direito do Seguro), menciona a existência de pelo menos quatro casos em que planos de saúde tentaram, sem sucesso, derrubar medidas que beneficiavam os pacientes.

De acordo com Gonçalves, os desembargadores ponderaram que a decisão do STJ não transitou em julgado (ou seja, o julgamento não terminou, pois ainda cabem recursos) e consideraram que ela não tem efeito vinculante (isto é, não deve ser seguida obrigatoriamente).

Além disso, observaram que a decisão do STJ, a princípio, não interfere em decisões tomadas em caráter de urgência (medidas liminares), como nos casos em que o paciente pode morrer se não receber determinado tratamento imediatamente.

A advogada Vanusa Murta Agrelli, especialista em direitos coletivos, diz que o TJ-SP também utilizou a abertura para exceções citada pelo próprio STJ, como no caso de terapias recomendadas expressamente pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) com comprovada eficiência para tratamentos específicos.

"[Mas isso,] na melhor das hipóteses, implicaria uma hiperjudicialização", diz ela, ressaltando que nem todo mundo tem acesso ao Judiciário com a velocidade necessária.

Por esse motivo, para Agrelli, o rol da ANS deveria ser encarado não como um limite máximo, mas como uma base mínima. Essa, por sinal, é a posição reiterada do TJ-SP, consolidada na súmula 102, que diz:

"Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS".

Para o advogado Ernesto Tzirulnik, que preside o IBDS e a Comissão de Direito do Seguro da OAB-SP, o fato de o julgamento no STJ ter sido resolvido por 6 a 3 também acaba sendo levado em conta pelos desembargadores e juízes.

"O tribunal estava muito dividido em termos de convicções. Não havia um concerto verdadeiro de entendimento criado por aquele julgamento. Não deixava de haver uma violenta contradição de entendimento entre os ministros", diz ele.

De acordo com Tzirulnik, a visão que prevaleceu no STJ supervalorizou os argumentos econômicos das operadoras de planos de saúde, segundo os quais a conta não fecha se o rol da ANS for apenas uma referência.

"O direito tem uma visão de permanência diferente da economia. Ele não olha a conjuntura financeira e econômica do momento, mas a regulação da sociedade de forma durável. Não dá para ter um direito a cada dia conforme os resultados de uma carteira de seguros", afirma.

O advogado Nei Vieira Prado Filho, que menciona a existência de pelo menos 20 decisões do TJ-SP contrariando o STJ só no mês de agosto, lembra que o rol da ANS existe há mais de 20 anos.

"No TJ-SP, prevalecia a posição de [o rol] ser exemplificativo. [Essa posição] muitas vezes foi acolhida pelo STJ e nunca se ouviu falar de que isso tenha abalado financeiramente alguma operadora", diz.

Durante o julgamento no STJ, advogados de planos de saúde argumentaram que nem o Estado está obrigado a fornecer medicamentos de forma indiscriminada.

"Não há qualquer razão para que obrigações dessa mesma natureza ?fornecimento e custeio de procedimentos? recaiam, sem qualquer restrição, às operadoras e seguradoras", disseram. Para eles, isso inviabilizaria o serviço, em prejuízo para todos.

Segundo reportagem da Folha de S.Paulo publicada na última quarta-feira (31), a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) estuda levar ao STF (Supremo Tribunal Federal) a discussão em torno do projeto de lei aprovado pelo Congresso.


Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!