SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Impostos, seguro, combustível, manutenção. São várias as despesas que envolvem ter um automóvel próprio na garagem. O engenheiro Luiz Felipe Azevedo, 49, colocou os gastos na ponta do lápis e, em 2018, optou por vender o veículo da família.

Ele conta que, na época, os filhos gêmeos tinham nove anos. A maior dificuldade era ter que levar a cadeirinha de elevação para todo o lado, garantindo que fossem transportados em segurança.

"Mas logo eles cresceram e não foi mais necessário carregar, facilitou muito. Hoje fazemos tudo a pé ou, quando precisamos, usamos Uber", diz.

Morador de Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, Azevedo trabalha perto de casa e chama o carro pelo aplicativo todo dia para não chegar suado ao trabalho. "São só dois quilômetros, então, na volta, sempre venho a pé", diz.

A mulher dele, Roberta, 49, trabalha no centro da cidade e utiliza transporte público diariamente. Os filhos Vitor e Beatriz, agora com 12 anos, vão para a escola caminhando e fazem as atividades extracurriculares no próprio bairro.

Quando a família decide viajar, recorrem sempre à locação de um carro. Mesmo com esses gastos, Azevedo calcula que economiza, pelo menos, R$ 15 mil por ano.

"Em 2018, quando decidimos vender o carro, pensamos exclusivamente na questão financeira. Hoje em dia também considero que é uma decisão também ambiental. As pessoas acabam tendo carro por comodismo, mas não param para fazer conta e [descobrir] o quanto isso consome o orçamento."

A fundadora do instituto de pesquisa Multiplicidade Mobilidade Urbana, Glaucia Pereira, concorda que as pessoas não param para pensar em como é possível viver sem ter seu próprio carro. Ela explica que metade da população brasileira hoje vive sem automóvel --muitas vezes por falta de recursos, não por opção.

"Os dados do IBGE de 2018 mostram que, nos domicílios de pessoas negras, 70% não têm carro. A sensação de que todo mundo tem é algo mais elitista e das grandes metrópoles", afirma.

Glaucia diz ainda que não ter automóvel na garagem resolve várias questões, entre elas financeira, física e mental.

"A pessoa que caminha ou se desloca de bicicleta pratica atividade física, fica menos estressada e economiza, pois não tem as despesas de um carro nem um financiamento por anos e anos. São vários problemas sociais que conseguimos resolver com a mobilidade ativa", conclui.

A professora universitária Isabella Cardoso, 51, conta que sua economia foi ainda maior ao abrir mão de um automóvel. Ela diz que 'colecionava' multas de trânsito no seu trajeto de casa para o trabalho, na Unicamp (Universidade de Campinas).

"Mudou a sinalização de 60 km/h para 50 km/h e, por total falta de atenção, tomei várias multas, que somaram R$ 3.000, e perdi a carteira por ter estourado a pontuação. Foi aí que decidi vender o meu carro até regularizar minha CNH", diz.

O que era para ser algo provisório virou definitivo. Desde outubro de 2019, ela vive a pé. "Moro a 20 km do trabalho e ainda assim compensa ir de aplicativo. Eu me acostumei e aproveito meu tempo para ler dentro do carro ou responder as mensagens no celular."

Com a pandemia, a professora começou a trabalhar em home office. "Aluguei a minha vaga de garagem no prédio e comprei uma bicicleta."

Isabella deixa a bike no campus da universidade e se desloca lá dentro com ela. "Só não vou de bike de casa para o trabalho pois pesa a questão da segurança. Faltam ciclovias", afirma.

A especialista em mobilidade urbana Glaucia Pereira afirma que não adianta substituir o automóvel próprio pelos de aplicativo, pois isso não resolve a questão ambiental e tampouco o trânsito nas grandes metrópoles.

"É preciso pensar nos carros de aplicativo como uma integração ao transporte público. Por exemplo, você usa o Uber, o 99 etc. para chegar até a estação de metrô ou até o terminal de ônibus."

É exatamente isso que faz diariamente a publicitária Muriel Xavier, 29. No final de 2020, ela decidiu se mudar da Grande São Paulo para o centro da capital e vender seu carro por causa da vasta oferta de transporte público na região, além da possibilidade de utilizar os aplicativos de transporte quando precisasse.

Neste período de retomada --e com trabalho presencial só duas vezes por semana--, ela recorre ao metrô e ao fretado da empresa para ir e voltar do trabalho, em Cajamar, na região metropolitana.

"Vou de Uber até o metrô e depois pego o fretado. O carro parado só dava gastos e não fazia sentido ter um para usar duas vezes na semana", diz. "Outra vantagem de não ter mais um automóvel é sair com as amigas e poder beber sem ter que me preocupar. A vida com esses aplicativos de transporte foi muito facilitada, não faz mais sentido ter carro", afirma Muriel.


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