SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso restabeleceu em decisão proferida na noite de sexta-feira (23) o mandato do vereador Renato Freitas (PT), de Curitiba.
O parlamentar havia sido cassado sob acusação de quebra de decoro após participar de uma manifestação que invadiu uma igreja da cidade. O ato protestava contra os assassinatos do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe e de Durval Teófilo Filho. Com a sentença, Freitas poderá também manter sua candidatura ao cargo de deputado estadual pelo Paraná.
Na decisão, o ministro afirmou que a Câmara Municipal de Curitiba não seguiu os 90 dias corridos para análise do caso, conforme o Decreto-Lei nº 201/1967. Ao contrário, adotou um regimento municipal que estabelece o prazo prorrogável de 90 dias úteis, usurpando uma competência legislativa da União, a quem cabe definir as normas de processo e julgamento dos crimes de responsabilidade.
Na decisão, ele disse também que a questão ultrapassa a discussão dos limites éticos da conduta de Freitas. Para Barroso, o caso envolve o "debate sobre o grau de proteção conferido ao exercício do direito à liberdade de expressão por parlamentar negro voltado justamente à defesa da igualdade racial e da superação da violência e da discriminação que sistematicamente afligem a população negra no Brasil".
Citando o advogado Silvio de Almeida, o ministro afirmou que o rito aplicado ao processo de perda de mandato ocorreu no contexto de um país em que o racismo é estrutural, ou seja, é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade.
"Como fenômeno intrinsecamente relacionado às relações de poder e dominação, esse racismo estrutural não deixa de se manifestar no âmbito político. Não por acaso, o protesto pacífico em favor das vidas negras feito pelo vereador reclamante dentro de igreja motivou a primeira cassação de mandato na história da Câmara Municipal de Curitiba. Não à toa, a população afrodescendente é sub-representada no legislativo local: são apenas 3 vereadores negros em um universo de 38 parlamentares (em uma cidade em que 24% da população é negra)", diz Barroso.
O ministro disse ainda que a manifestação que motivou a cassação ocorreu na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, construída por negros escravos que não podiam frequentar as outras igrejas da cidade, e que a própria Arquidiocese de Curitiba, apesar de entender que houve excesso, posicionou-se contra a cassação, reconhecendo que a "movimentação contra o racismo é legítima, fundamenta-se no Evangelho e sempre encontrará o respaldo da Igreja".
Ele citou ainda a teoria do impacto desproporcional, em que procedimentos e normas pretensamente neutros podem produzir efeitos prejudiciais a grupos marginalizados.
"Por tudo isso, sem me pronunciar, de maneira definitiva, sobre o mérito da cassação do mandato em questão, é necessário deixar assentado que a quebra de decoro parlamentar não pode ser invocada para fragilizar a representação política de pessoas negras, tampouco para cercear manifestações legítimas de combate ao preconceito, à discriminação e à violência contra elas", escreve Barroso.
REPERCUSSÃO
Freitas, que está na Itália para um encontro com o papa Francisco, usou seu perfil no Twitter para compartilhar a sentença. "Fui definitivamente reconduzido ao cargo de vereador de Curitiba e agora sou, mais do que nunca, candidato a deputado estadual pelo Paraná. Bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça. Eu tenho fé!", escreveu em um dos posts.
Para o advogado Edson Abdala, integrante da equipe de defesa do vereador, a decisão do ministro Barroso "recupera o status constitucional antirracismo estrutural".
Já em relação a possíveis prejuízos da cassação na campanha para a Assembleia Legislativa, ele diz que a equipe agora tem de se concentrar na mobilização para as eleições. "Naturalmente, algum prejuízo houve, mas nós acreditamos que ele será superado com essa decisão do STF pelas mãos do ministro Barroso".
Abdala e os advogados Antônio Carlos de Almeida Castro (o Kakay), Guilherme de Salles Gonçalves e Luiz Carlos da Rocha assinam uma carta que será entregue por Freitas ao papa.
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