SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os estados com maior arrecadação do país, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, estão descumprindo regra constitucional por ainda não terem aprovado lei que institui o chamado ICMS Educacional.
Os municípios desses três estados podem ser penalizados pelo descumprimento, já que ficam inabilitados de disputar e receber uma complementação do recurso federal estimado em R$ 4 bilhões.
A Emenda Constitucional 108, que instituiu as regras do Novo Fundeb, estabeleceu que todas as unidades da federação tinham até 26 de agosto para aprovar leis estaduais estabelecendo novos critérios relacionados à melhoria da aprendizagem e equidade do ensino para a distribuição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) aos municípios.
Antes da emenda, os estados tinham autonomia para definir como redistribuir 25% do valor arrecadado com o imposto aos municípios. Agora, essa parcela subiu para 35%, mas ficou estabelecido que ao menos 10% dessa cota sejam atrelados à performance educacional das cidades.
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais foram os únicos do país a descumprirem o prazo estabelecido pela emenda. As gestões paulista e mineira disseram que leis sobre o tema estão em tramitação nas Assembleias Legislativas. Nenhum deles explicou por que o prazo não foi cumprido.
Para evitar penalizações por terem perdido o prazo, os estados negociaram em uma comissão tripartite do Fundeb (com representantes da União, estados e municípios) uma extensão até 9 de outubro -após o primeiro turno das eleições- para aprovar as leis.
"O prazo de 26 de agosto foi estabelecido em uma emenda constitucional. Para estender esse prazo legalmente, seria necessária uma aprovação pelo Congresso. O que eles conseguiram foi um acordo, porque não se mobilizaram nem elegeram essa pauta como prioritária para ser aprovada a tempo", critica Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).
Os empecilhos para a aprovação desses projetos têm sido praticamente os mesmos nos três estados. Os maiores municípios, como as capitais, têm indicadores educacionais piores que algumas cidades menores e podem perder arrecadação.
Outro entrave é que a mudança de distribuição iria impulsionar a municipalização dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano). A Constituição prevê que essa etapa é preferencialmente de responsabilidade dos municípios, mas em alguns locais, principalmente nas grandes cidades, há ainda muitas matrículas nas redes estaduais.
Na capital paulista, por exemplo, 60,2%, dos mais de 552.000 alunos dos anos iniciais da rede pública, estão em escolas estaduais. Em Belo Horizonte, a rede estadual é responsável por 37% das mais de 95.000 matrículas nessa etapa. No Rio, essa situação já não acontece, e o estado só tem 0,2% dos alunos dessa etapa.
Em São Paulo e Minas, essa situação ainda ocorre em outros municípios, o que gera resistência. A migração custa caro às prefeituras, uma vez que os salários pagos por elas aos professores tendem a ser maiores do que o das redes estaduais.
"O fato de os estados com economia mais robusta do país não terem aprovado a lei do ICMS Educacional mostra que a decisão política não prioriza a educação efetivamente. Nenhum desses estados têm dificuldade do ponto de vista técnico para aprovar a mudança, a dificuldade é encarar a melhoria educacional como prioridade", diz Veveu Arruda, diretor da ABC (Associação Bem Comum), que assessora governos no tema.
Arruda é também ex-prefeito de Sobral, no Ceará, cidade que é uma das referências no país em resultados educacionais nos anos iniciais. A destinação de parte do ICMS de acordo com as melhorias no aprendizado nasceu no estado e inspirou a mudança constitucional.
"Vivemos uma tragédia no Brasil no que se refere ao analfabetismo das crianças dentro das escolas públicas. Uma das causas centrais é a indiferença de líderes e gestores públicos. Os estados não podem esperar bons resultados educacionais no ensino médio, se não se preocupam com a educação inicial nos municípios", diz Arruda.
No ano passado, o Brasil atingiu o recorde de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever. Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, 40,8% da população dessa idade não estava alfabetizada -o equivalente a 2,4 milhões de meninos e meninas- é o maior índice em dez anos.
Especialistas e gestores da área defendem que apenas atrelar o ICMS aos resultados educacionais não é suficiente para as melhorias desejadas. Para eles, é preciso também que os estados se comprometam a dar apoio técnico aos municípios, estratégia adotada no Ceará.
A estratégia é que assim estados e municípios se responsabilizam por toda a trajetória educacional dos estudantes: a alfabetização feita de forma bem-sucedida pelas redes municipais vai resultar em melhores resultados no ensino médio, de responsabilidade estadual.
Em nota, a gestão Rodrigo Garcia (PSDB) disse que o projeto de lei sobre o tema foi encaminhado pelo Executivo à Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) após a realização de estudos econométricos necessários dentro do prazo -o texto no entanto, previa a aprovação da lei.
Já a gestão de Romeu Zema (Novo) disse apoiar um projeto sobre o tema, apresentado pelo deputado Zé Guilherme (PP), mas reconhece que que o texto ainda não foi apreciado pela Mesa Diretora da Assembleia para ser colocado em votação.
O governo do Rio de Janeiro, sob gestão de Cláudio Castro (PL), não respondeu aos questionamentos da Folha de S.Paulo até as 19h de sexta (23).
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