BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Uma das frases que o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem repetido com frequência na reta final da campanha é que sancionou mais de 70 projetos em defesa das mulheres. O número, contudo, omite o fato de o governo ter sido o autor de apenas uma proposta da lista usada pelo mandatário.
Há ainda textos contabilizados que não tratam de políticas para mulheres.
A reportagem procurou o Planalto e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos em busca de informações sobre as propostas que o presidente diz ter sancionado.
Como resposta, a pasta informou que os dados são de levantamento da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. A lista, que exclui medidas provisórias, continha 77 propostas até 16 de setembro. Algumas delas não abordam nem indiretamente medidas de proteção ou defesa das mulheres.
A Secretaria da Mulher da Câmara diz que alguns textos são de interesse da bancada feminina e que a elaboração da lista considera propostas apresentadas ou relatadas por deputadas.
O projeto de autoria do governo federal trata de medidas para enfrentamento da emergência pública provocada pela Covid-19, sem referências a políticas de defesa e proteção de mulheres.
Posteriormente, um projeto de autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS) e outras parlamentares incluiu nessa lei dispositivos sobre o funcionamento dos serviços públicos voltados ao atendimento a mulheres em situação de violência doméstica e familiar, sobre prazos de medidas protetivas e sobre registro de ocorrência de agressões do tipo. Essa modificação também foi sancionada por Bolsonaro e contabilizada na lista da Secretaria da Mulher da Câmara.
O discurso do presidente para reforçar as propostas sancionadas para mulheres faz parte de uma ofensiva em busca do voto feminino, que foi deflagrada pela campanha de reeleição do mandatário ao diagnosticar que o segmento é um dos que mais rejeita Bolsonaro.
De acordo com o mais recente Datafolha, a cerca de uma semana para o primeiro turno, Bolsonaro está estagnado com 29% das intenções de voto das mulheres, contra 49% do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O petista oscilou três pontos para em cima, em comparação com a semana anterior.
A campanha criou uma agenda positiva do governo para mulheres que ela busca promover em discursos e propagandas eleitorais. Dentre os pontos levantados, o fato de ele ter sancionado as leis costuma ganhar destaque.
Ele realizou recentemente um evento no Palácio da Alvorada com integrantes da bancada feminina para sancionar mais um texto visando o segmento, e destacou novamente os "mais de 70 projetos".
Em discurso na convenção do PL que oficializou Bolsonaro na disputa, a primeira-dama Michelle Bolsonaro também abordou o tema: "Falam que ele não gosta de mulheres e ele foi o presidente da história que mais sancionou leis para as mulheres, para a proteção das mulheres, 70 leis."
A equipe de marketing da campanha do chefe do Executivo escalou Michelle para ampliar sua participação em agendas políticas e tentar reduzir a rejeição de Bolsonaro junto a eleitoras.
Ela também protagonizou propaganda eleitoral que traz uma gafe de Lula sobre violência doméstica e apresenta o presidente como um homem que protege as mulheres, citando as leis sancionadas.
Dentre as medidas sancionadas e divulgadas por Bolsonaro, está a Lei Mariana Ferrer, que proíbe que vítimas de crimes sexuais e testemunhas sejam constrangidas durante audiências e julgamentos. A proposição teve como origem um projeto de autoria da deputada Lídice da Mata (PSB-BA).
Há entre os projetos compilados pela secretaria e usados politicamente por Bolsonaro textos que não tratam diretamente ou indiretamente de mulheres.
Um exemplo é a norma que institui a política nacional de prevenção do diabetes e de assistência integral à pessoa diabética, proposta pelo ex-deputado Raimundo Gomes de Matos (PSDB-CE).
Entre as propostas elencadas pela secretaria da Câmara, estão algumas que buscam combater a violência doméstica contra a mulher, normas que reprimem ataques políticos a mulheres e proposições voltadas a grávidas, puérperas e lactantes, como a que incluiu gestantes como grupo prioritário no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.
O presidente também sancionou projeto que acaba com a exigência do consentimento expresso do cônjuge para que seja realizada cirurgia de esterilização, como laqueadura e vasectomia.
A deputada Celina Leão (PP-DF), coordenadora da bancada feminina, argumenta que o levantamento feito pela Secretaria da Mulher contempla projetos de interesse das congressistas. "São projetos pedidos e pautados por mulheres que são de interesse das deputadas", afirma.
"Nós não vamos falar só de violência doméstica, não vamos falar só de ações que tratam diretamente do tema da mulher. Algumas deputadas têm temas que são de tecnologia, ciência, do agro, e elas nos solicitam através da bancada feminina, porque não é fácil você colocar um projeto para ser pautado."
A pesquisadora Joyce Luz, do Observatório do Legislativo Brasileiro, monitora a atuação do Congresso e disse que as declarações do presidente e da primeira-dama chamaram sua atenção. "A gente trabalha todo dia com acompanhamento de projetos de lei e achamos que o dado tinha passado despercebido aos nossos olhos", diz.
Para ela, há uma tentativa de Bolsonaro de usar os projetos para capturar o voto feminino. "É uma tentativa de conquistar um eleitorado no qual ele não é tão forte, no qual ele não tem tanto apoio", diz.
A sanção é uma função administrativa do presidente. Caso ele não dê seu aval expresso, o texto é sancionado automaticamente após 15 dias. Em caso de veto parcial ou total, o dispositivo barrado pelo Executivo é avaliado pelo Congresso Nacional, que tem o poder de reverter a decisão.
Apesar de fazer propaganda sobre as leis sancionadas, Bolsonaro aplicou vetos relacionados a políticas para mulheres que lhe renderam críticas. Em outubro de 2021, por exemplo, ele vetou o projeto que prevê a distribuição gratuita de absorventes para mulheres de baixa renda.
Bolsonaro chegou a ironizar o tema: "Não sabia, a mulher começou a menstruar no meu governo".
"No governo do PT não menstruava, no do PSDB não menstruava também. O cara apresenta um projeto, mas não apresenta a fonte de recurso. Se eu sanciono, se não tiver de onde vem o recurso, é crime de responsabilidade. Se o PT voltar, as mulheres vão deixar de menstruar e está tudo resolvido", disse.
O Congresso derrubou a decisão do presidente em março deste ano. A norma faz parte da lista considerada pelo presidente, apesar do veto.
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