SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A oncologia avança com o surgimento de tratamentos inovadores, como a imunoterapia e as terapias gênicas, mas o acesso às tecnologias de alto custo é atravessado por problemas de gestão, financiamento e investimento insuficiente em pesquisa no Brasil, que ainda não garante assistência básica aos pacientes com câncer.

A precificação e a atribuição de valor às terapias oncológicas foram discutidas nesta quinta-feira (29), durante um dos painéis do 9º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, evento promovido pela Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia). A mesa foi mediada pelo economista Ivo Bucaresky, consultor nas áreas de regulação sanitária e economia da saúde na Orplavi Consultoria.

O desenvolvimento de um medicamento inovador em oncologia começa com pesquisa e estudos clínicos. Em seguida, a tecnologia é submetida à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para avaliação e registro e, se aprovada, segue para a precificação na CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), órgão interministerial que discute e estabelece os preços máximos de medicamentos no país, explica Romilson de Almeida Volotão, secretário-executivo da CMED.

Nas próximas etapas, avalia-se a incorporação do medicamento ao SUS (Sistema Único de Saúde) por meio da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) e, por meio da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), a inclusão no sistema privado.

É justamente nessa fase que o subfinanciamento impede que as terapias cheguem de fato aos pacientes, mesmo quando são aprovadas pela Conitec, diz Sandro Martins, consultor em oncologia no Hospital Universitário de Brasília e na Rede D'Or.

Ele afirma que o posicionamento favorável do órgão a um medicamento impõe um novo custo ao orçamento da saúde sem que haja acréscimo de verba --quando há, o aporte é insuficiente e não corresponde ao custo da tecnologia.

Para Antonio Britto Filho, diretor-executivo da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), a gestão da saúde sofre de um desarranjo estrutural, no qual o orçamento é insuficiente, falta integração entre público e privado e não há discussão sobre formas de financiamento dos tratamentos oncológicos de alto custo.

Neste cenário, não é possível utilizar todas as possibilidades de terapia para garantir a qualidade de vida do paciente com câncer, afirma.

Uma alternativa seria discutir o aumento de orçamento para saúde pública e a redução de preços dos medicamentos, diz João Carapinha, doutor em direito e políticas públicas e professor da Universidade de Northeastern (EUA).

Durante a apresentação, o especialista traçou um panorama sobre modelos de sistema de saúde na Europa, com destaque para seguros sociais de saúde financiados por empregadores e funcionários e para formatos de acesso universal semelhantes ao SUS, como o NHS (sistema público de saúde do Reino Unido).

Ele considera necessário analisar quais elementos dos modelos internacionais, tanto descentralizados quanto concentrados em agências reguladoras, se adequam melhor à realidade brasileira, pois importar uma solução externa não seria eficaz, mesmo que ela funcione em seu país de origem.

Mesmo que um aumento do orçamento destinado ao SUS fosse feito, seria preciso planejar a aplicação dos recursos tendo em vista que o país ainda falha nos passos iniciais do tratamento oncológico, como diagnóstico e intervenção precoces, ressalta Paulo Hoff, presidente da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).

Em se tratando da discussão dos preços dos tratamentos inovadores, Hoff avalia que o Brasil, por representar uma fatia pequena do mercado mundial de produtos oncológicos, dificilmente influenciaria na diminuição dos valores, apesar do esforço de agências como a CMED. Já os Estados Unidos, por exemplo, compram a maior parte dos insumos para câncer. Para ele, o sistema precisaria ser revisto globalmente.

Outro caminho para melhorar o acesso seria investir em pesquisa clínica no Brasil, diz Fernando de Rezende Francisco, gerente executivo da Abracro (Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica). Segundo ele, o país participa hoje de apenas 2% dos estudos mundiais de pesquisa clínica em todas as áreas terapêuticas, percentual que fica ainda menor na oncologia (1%), que representa 20% das pesquisas no mundo.

Se conseguisse aumentar para 5% a participação em estudos clínicos, o país garantiria acesso a medicações inovadoras para 50 mil pacientes por ano e geraria 50 mil empregos na saúde, diz Francisco. Mas, ainda que seja estratégico, o setor carece de ações que o valorizem, completa o especialista.


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