SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Vitor, 9, mostra-se ansioso pelo Dia das Crianças e tenta adivinhar o que acontecerá nesta quarta-feira (12). Entre seus palpites, está viajar para um parque aquático em Olímpia, no interior paulista, ou ganhar um videogame. "Não dá para dormir direito, mas, se eu dormir, a noite passa e o dia chega mais rápido."
Enquanto ele fala, seus pais, o psicólogo André Henrique Faria Thereza, 37, e o professor de matemática Sandro Ferreira Neves, 32, entreolham-se. Os planos do casal de Avaré, a cerca de 270 km da cidade de São Paulo, são mais simples do que Vitor imagina, mas ainda assim muito especiais. Será o quarto Dia das Crianças com o filho mais velho, Marcos, 15, e a primeira vez que a família vai comemorar a data com o processo de adoção do caçula finalizado.
O casal deu entrada na documentação para adoção na Vara da Infância e da Juventude em 2018. Eles desejavam ser pais de crianças acima de dez anos e haviam posto no cadastro a possibilidade de adotarem irmãos, então não tinham certeza sobre o número de filhos.
A resposta surgiu quando Sandro assistiu a uma reportagem sobre o Adote um boa-noite, iniciativa do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) para incentivar a adoção de crianças mais velhas, irmãos e jovens com deficiência.
Ao ver a foto de Marcos, André escreveu para o marido: "Amor, encontrei nosso filho".
Eles entraram em contato com a Vara da Infância e da Juventude de Itu (SP), cidade onde Marcos estava acolhido, e marcaram uma visita. As semanas seguintes foram de aproximação e, em março de 2019, veio a confirmação.
Após os primeiros meses de integração, Marcos disse que gostaria de um irmão, e Vitor veio por uma "sincronicidade do universo". A foto de Marcos ainda estava no sistema do TJ e, ao reclamarem, os pais ouviram que ela seria substituída pela imagem de outro menino também do abrigo de Itu. Era a de Vitor.
O processo de adoção de Vitor foi encerrado em novembro do ano passado e, desde então, o ambiente se tornou uma mistura de amor e ciúmes entre irmãos. "Tem hora que eu sou criança e hora que não. Na hora de ganhar presente, eu sou criança", diz Marcos, que quer ganhar roupas.
A cerca de 240 km de Avaré, em Vargem Grande Paulista (Grande São Paulo), também há a ansiedade. "É tudo novo para nós", diz a dona de casa Tatiane Alves Monteiro, 37, mãe de Deivid, 10.
Até dezembro do ano passado, Deivid morava em uma casa de acolhimento em Avaré e este será seu primeiro Dia das Crianças ao lado da mãe e do pai, o vigilante Rogério da Silva Monteiro, 39.
A festa começou já nesta terça (11), na escola. Envergonhado, Deivid afirma que comeu dois cachorros-quentes, tomou refrigerante e ganhou sorvete da professora.
Tatiane diz que, no início do ano, o filho não queria ir para a escola. Ele estava atrasado em matemática e português e dizia que não conseguia aprender. Também tinha medo de ser esquecido pelos pais. "Fomos estudando juntos em casa e combinei com ele que na hora em que o sinal de saída tocasse eu estaria lá. Na última reunião de pais, só ouvimos elogios", relata a mãe.
Nos últimos meses, Deivid também foi ficando mais comunicativo e extrovertido. Hoje, ele fala muito mais do que o "sim" ou "não" de quando conheceu os pais -queria, inclusive, entrevistar a reportagem- e a disputa agora, brinca Rogério, é saber quem é o preferido. "No começo, era o Rogério. O Deivid não gostava de figuras femininas, mas fui mostrando para ele que não podia generalizar", afirma a mãe.
O garoto é o terceiro filho do casal, que se conheceu na infância e se reencontrou 14 anos depois. Tatiane sempre disse que desejava dois filhos -"um gestado no útero e outro no coração"- e eles deram entrada no processo de habilitação para adoção em 2016, três anos após o casamento.
Enquanto a documentação tramitava, a dona de casa descobriu que possuía miomas e precisava passar por um tratamento. Ela chegou a engravidar em 2019, o bebê nasceu e faleceu no dia seguinte.
Por causa do luto, os dois foram aconselhados pela Vara da Infância e da Juventude a passar por terapia. As sessões e o curso preparatório mostraram que o casal poderia acolher uma criança mais velha e eles mudaram a faixa pretendida na adoção. De 0 a 3 anos, ela passou de 0 a 7 anos e, depois, de 0 a 9 anos.
Eles receberam a habilitação em outubro do ano passado e encontraram Deivid na página do Adote um boa-noite pouco depois. "Eu ficava entrando no site e, no dia em que apareceu a fotinho do Deivid, o olhar dele me encantou", lembra a mãe.
Tatiane e Rogério dizem que o processo foi longo, mas necessário para que estivessem preparados para os altos e baixos da relação com o filho, que encerrou a conversa mostrando seu presente de Dia das Crianças: uma TV Box (aparelho para usar serviços de streaming) para assistir a desenhos.
Nesta quarta, será dia de dormir até mais tarde, comer macarronada com frango e maionese, seu prato preferido, e assistir à televisão ao lado do balde de pipoca, na companhia da mãe.
A adoção de Marcos, Vitor e Deivid -os sobrenomes deles estão em processo de troca e, por isso, não constam nesta reportagem- condiz com as mudanças registradas nas últimas décadas. Se no início dos anos 2000, era muito difícil a adoção de crianças com mais de três anos, hoje os candidatos estão mais propensos a adotar meninas e meninos de até dez anos. Também consideram com maior frequência a adoção de meninos e de crianças pardas e pretas, afirma Iberê de Castro Dias, juiz do TJ-SP.
"Aos poucos, as pessoas vão percebendo que ideias como a de que um adolescente de 13 anos nunca considerará os adotantes como pai e mãe e de que não será possível educá-lo como o imaginado não passam de mitos", diz. De acordo com o SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento), há no país 4.183 crianças disponíveis para adoção.
Segundo o magistrado, o perfil dos adotantes também mudou. São cada vez mais frequentes casais homoafetivos como André e Sandro e também pessoas solteiras ou viúvas. "O cuidado é que segue o mesmo", diz o juiz. "Alguns criticam dizendo que o processo de adoção é lento, mas leva o tempo necessário para garantirmos que a criança ficará sob os cuidados de quem efetivamente pode cuidar dela. A adoção não é um favor, é um direito da criança e só dá certo se as pessoas querem muito ser pais ou mães."
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