SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Secretaria de Justiça e Cidadania do estado de São Paulo decidiu investigar a acusação de racismo feita por um adolescente contra o filho de um dos pastores mais importantes do Brasil.

O procedimento será instalado após o jornal Folha de S.Paulo revelar que o pastor Samuel Freire da Costa chamou "esse negócio de inclusão" de "coisa do inimigo" a um fiel que teve sua foto descartada de uma campanha da igreja porque usava cabelo estilo black power.

A Coordenação de Políticas para População Negra e Indígena da secretaria instaurou um expediente para investigar esse suposto caso de racismo. "Aparentemente, a denúncia possui provas, entre elas, uma gravação de conversa entre o pastor, a vítima e sua irmã, em 2021", diz a pasta em nota.

Samuel é filho de José Wellington Bezerra da Costa, que comandou a CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil) quase que ininterruptamente entre 1988 e 2016. Hoje a presidência está com outro filho seu, irmão de Samuel.

Em 2021, o pastor sob investigação disse ao adolescente que seu corte de cabelo desviava das diretrizes estéticas recomendadas pela igreja. "Nós temos o nosso padrão. Se você quer ficar, repito, é muito bem-vindo e amamos você. Mas não vem com esse negócio de inclusão, de afro, isso é coisa do cão, isso é coisa do inimigo. Pessoas com pele muito mais escura e com o cabelo muito pior que o seu, e estão aqui cultuando ao mesmo Deus. Tá bem? Tá certo? Deus abençoe."

O diálogo foi gravado pela irmã do jovem num templo da Assembleia de Deus Ministério Belém em São Mateus (zona leste de São Paulo). A reportagem não irá revelar o nome do adolescente porque ele tem menos de 18 anos.

O pastor Paulo Morais, do departamento jurídico da igreja, diz que "os usos e costumes quanto a tamanho e tipo de cabelo masculino não têm qualquer relação ou discriminação com grupos sociais, raças ou etnias". Trata-se apenas, afirma, "de práticas adotadas pelas Assembleias de Deus em toda a sua história".

O adolescente entrou com uma ação por danos morais contra essa Assembleia de Deus e o pastor, que acabou extinta por questões técnicas, mas será retomada assim que possível, segundo seus advogados.

Há três frentes judiciais no caso: cível, criminal e administrativa, junto à Secretaria de Justiça de São Paulo, a partir de uma lei que penaliza discriminação racial. O expediente aberto a mando do secretário Fernando José da Costa se enquadra na lei 14.187/2010, que prevê punição administrativa em casos de discriminação racial, com multas que chegam a R$ 95 mil.

"São Paulo não tolera a intolerância", diz Costa. "O que mais chama nossa atenção são os números de denúncias [de racismo], que vêm crescendo vertiginosamente nos últimos anos: em 2022, até aqui, já foram 316; em 2021, 155, e, em 2020, 49 casos."

O adolescente evangélico tinha quase 16 anos quando, segundo o processo que abriu contra o pastor, posou para uma foto em que, com outra jovem, segurava um balão inflável dourado na forma do número três, indicando quantos dias faltavam para o começo do projeto "Creio São Mateus".

Ainda de acordo com a peça, o adolescente considerou uma vitória pessoal participar da campanha, que via como uma "oportunidade de demonstrar aos jovens negros que eles tinham um lugar dentro da igreja, lugar que ele acreditava possuir".

O líder dos jovens da igreja, contudo, teria lhe avisado que a foto não seria aproveitada no material. Ele então procurou o pastor Samuel, autoridade maior, no dia do seu aniversário de 16 anos, segundo seus advogados. Queria entender o porquê da exclusão.

No vídeo desse encontro, o jovem chora, conta episódios de racismo que sofreu, como a colega que definiu seu cabelo como "duro" no baile de formatura, e diz que a vida toda escutou que "cabelo bom é cabelo liso".

Samuel, nessa conversa, rebate com uma citação bíblica que pede obediência aos pastores. É aí que fala contra "esse negócio de inclusão", que vê como "coisa do cão".

A mãe do adolescente fez um boletim de ocorrência na época. O documento narra o episódio assim: "Ao ser questionado, o líder do grupo (que segue ordens da igreja) disse que seu cabelo (black power, afro) estava grande e deveria ser cortado para ser exposto nas fotos, pois não se encaixa nos padrões da igreja (que são baixos, curtos e penteados)".

Em nota à reportagem, a igreja rebate: "Em razão da incompreensão por parte [do adolescente] e familiares, há um inquérito policial perante a 49ª Delegacia de Polícia de São Mateus, onde todos foram ouvidos. O relatório da autoridade policial é conclusivo: 'Em nenhum momento [Samuel] quis ofender o jovem, até elogiou seus trabalhos feitos na área infantil, por achá-lo muito inteligente'".

O delegado Leandro Resende, titular do 49° DP, afirmou que o inquérito já foi finalizado e agora o caso aguarda um posicionamento do Ministério Público.

A família do adolescente pediu R$ 50 mil por danos morais. A ação cível contra o pastor e a igreja foi extinta porque o jovem, filho de pedreiro e pensionista, pediu para ser beneficiado pela Justiça gratuita, para que não pague o custo do processo. O juiz indeferiu um pedido de mais prazo para os advogados comprovarem que ele não pode arcar com as despesas, uma questão processual técnica.

Os advogados dizem que vão entrar com a ação de novo.

A área jurídica da Assembleia de Deus afirma que "está acompanhando inquérito bem como aguarda a manifestação do Ministério Público".

A reportagem conversou com um irmão do jovem. A família continua indo à Assembleia, mas agora evita a sede, onde o confronto com Samuel aconteceu.

Segundo o irmão, o adolescente ficou abalado com o caso, chorando muito. A mãe deles é fiel da denominação há cerca de três décadas, afirma.

Morais, do departamento jurídico da igreja, diz que o pastor Samuel atendeu o adolescente após um culto e "o orientou quanto aos usos e costumes praticados pela instituição".

O líder evangélico "não foi compreendido", afirma. Ele também frisa que o adolescente que processa Samuel e a instituição "continua frequentando normalmente a igreja em São Mateus".

"A Assembleia de Deus Ministério Belém trata com respeito todos os frequentadores, membros e fiéis em seus cultos e reuniões e declara estar perplexa com o registro do boletim de ocorrência e a ação indenizatória."


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