LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - Purê de batata em quadro de Monet, sopa de tomate em tela de Van Gogh e torta na cara de estátua de cera do rei Charles 3º. Ativistas contra as mudanças climáticas fizeram uma série de protestos em museus europeus nas últimas semanas e se preparam para intensificar a agenda de manifestações no contexto da COP27 (conferência do clima da ONU), que acontece no Egito dos dias 6 a 18 deste mês.
Diversos grupos decidiram subir o tom das ações públicas por considerarem que os líderes mundiais têm sido pouco eficazes em relação à emergência climática.
Além das ações em museus, os ambientalistas também têm realizado uma série de atos de desobediência civil em cidades da Europa, sobretudo na Alemanha e no Reino Unido, atualmente o epicentro de atuação de grupos mais radicais.
Os britânicos do Just Stop Oil (simplesmente pare o petróleo, em tradução livre) têm sido os mais ativos, com ações registradas em todos os dias de outubro.
Responsáveis pelos protestos nos museus, esses ativistas também interromperam o trânsito em diversas ruas de Londres, incluindo a icônica Abbey Road, e jogaram tinta laranja na fachada de concessionárias de carros e de lobistas de combustíveis fósseis.
Na Alemanha, a atuação da Scientist Rebellion (rebelião dos cientistas) tem tido grande destaque.
Formado por cientistas que querem chamar a atenção para a crise climática e exigir compromissos reais dos governantes, o grupo realizou uma série de ações de impacto midiático, com destaque para um "acampamento" de ativistas, incluindo pessoas com as mãos coladas no chão, no centro de exibições da Porsche, que pertence à Volkswagen.
"O clima está tão conectado com todo o resto que acaba por ser, de fato, a crise das nossas vidas. Se não há alimento, o custo de vida das pessoas vai aumentar. Se há mais doenças por causa da crise ecológica, também vai impactar a saúde. Tudo isso, por sua vez, pode criar problemas sociais, de segurança e de política", diz ativista portuguesa Teresa Santos, 30, que faz parte do braço da Scientist Rebellion em Portugal.
A jovem participou de protestos na Alemanha e foi detida três vezes por sua atuação nos atos pacíficos de desobediência civil, que incluíram acionar o alarme de incêndio durante o World Health Summit, em Berlim. Os ativistas interromperam um momento de discussão política, e não científica, durante o encontro.
Doutoranda em biologia e atenta à vasta produção científica que atesta a gravidade do aquecimento global, ela avalia que os protestos e os atos de desobediência civil têm sido de grande importância para colocar a questão na agenda midiática internacional.
"As pessoas que têm feito as ações nos museus tomaram sempre o cuidado de não danificar as obras de arte [todos os quadros atingidos tinham proteção de vidro]. Mas são ações muito visuais, e a verdade é que isso põe esses temas nas notícias, que é algo que nós temos muita dificuldade em fazer", afirma.
"Eu tenho a certeza de que ninguém quer danificar obras de arte, tal como eu não queria, de todo, estar fazendo o que eu estive. Ser detida três vezes foi um processo absolutamente aterrorizador. Ninguém estava contente por estar lá, mas é mesmo aquela sensação de que, se não fizermos isso, ninguém vai ligar", completa.
Também membro da Scientist Rebellion, que já está presente em 30 países, o cientista português João Carvalho, 32, destaca que o grupo também tem reivindicações concretas para as autoridades, como a exigência de que o governo alemão pressionasse o FMI (Fundo Monetário Internacional) a perdoar a dívida dos países do Sul econômico.
"Essa dívida enorme impede que os países desenvolvam as suas economias de maneira mais sustentável, porque é mais barato investir em tecnologias fósseis poluentes do que em fontes de energias mais limpas. A Alemanha teve sua dívida perdoada após a Segunda Guerra Mundial e, portanto, seria de bom tom perdoar as de outros países", explica.
Segundo o pesquisador, que faz doutorado em biologia em Lisboa, o fato de cientistas se engajarem no ativismo ajuda a dar mais peso ao alerta feito pelo grupo.
"O fato de sermos cientistas confere credibilidade ao movimento e à mensagem que queremos passar. Queremos aproveitar isso para passar uma mensagem importante", completa Carvalho, que afirma que os pesquisadores devem se esforçar para romper um certo elitismo ainda presente em alguns segmentos da academia.
No mundo científico, já existe um amplo consenso sobre o aquecimento do planeta, como evidencia o último relatório do IPCC (painel de especialistas das Nações Unidas). O documento detalha que a humanidade caminha a passos largos para uma catástrofe ambiental, com derretimento de geleiras, elevação substancial do nível do mar e intensificação de eventos extremos.
Ainda assim, o ritmo de ações efetivas para cumprir as metas de redução de emissões de gases-estufa estabelecidas no Acordo de Paris, de 2015, está aquém do prometido. A pandemia de Covid-19 e a Guerra da Ucrânia impuseram ainda novos desafios às metas.
A frustração com a falta de avanços concretos é um dos principais combustíveis de insatisfação para os ativistas, explica o jornalista francês Marc Lomazzi, estudioso do tema e autor do livro "Ultra Ecologicus: Les Nouveaux Croisés de l'Écologie" (ultra ecológicos, os novos cruzados da ecologia), que analisa a emergência do ambientalismo radical na França.
Segundo ele, também há uma profunda insatisfação com o capitalismo e o modelo de consumo e produção, com sua consequente exploração dos recursos do planeta.
"Na Europa, esse movimento [ambientalismo radical] é das gerações mais jovens. Na França, é muito ligado aos estudantes, principalmente das grandes cidades, não no campo. A maioria tem ensino universitário, muitos tendo passado pelas 'grandes escolas' das universidades francesas", explica.
Na avaliação de Lomazzi, a preocupação com as questões ambientais e climáticas contribui para uma simpatia com os ativistas. "A opinião pública na França, assim como em vários países na Europa, está muito sensibilizada para as causas climáticas", explica.
O autor considera, porém, que ações como o fechamento de estradas, que dificultam a vida de parte da população, e as intervenções nos museus já vêm trazendo impactos negativos para esse tipo de ativismo na opinião pública.
"No entanto, enquanto as manifestações continuarem pacíficas, muitos devem continuar simpáticos ao movimento", prevê.
Ainda assim, os ativistas vêm sofrendo críticas nas redes sociais e em parte da imprensa europeia, sobretudo de orientação mais conservadora.
No Reino Unido, o governo foi além e propôs uma lei que deve praticamente inviabilizar manifestações como as atuais. Batizado de Lei da Ordem Pública, o projeto amplia os poderes de ação da polícia e estabelece um novo tipo de crime, o de interferência nas infraestruturas (como estradas e aeroportos), entre outras medidas.
A legislação, alvo de amplas críticas em diversos segmentos, já foi aprovada pela Câmara dos Comuns e segue agora para a Câmara dos Lordes.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.
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