SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A queda histórica de participantes no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2022 levou a um esvaziamento das salas de aulas dos cursinhos populares, que são os principais locais de preparação para os estudantes mais vulneráveis.
Coordenadores desses cursinhos relatam que os alunos oriundos de escolas públicas não conseguem acompanhar as aulas por dificuldades financeiras e também por desestímulo, depois de dois anos de escolas fechadas durante a pandemia. Como reflexo, viram o número de matrículas cair e a evasão ao longo do ano chegar a até 50%.
O Enem é a principal porta de entrada no ensino superior do país e viveu durante o governo Jair Bolsonaro (PL) um processo de desidratação. Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, o exame deste ano, que começa neste domingo (13), recebeu 3,4 milhões de inscrições, o menor volume em 17 anos.
Para educadores, o número de inscritos no Enem é um termômetro da esperança dos jovens brasileiros. Por isso, a queda de participantes observada nos últimos anos é vista com preocupação e alerta para uma ampliação das desigualdades sociais.
"É muito triste ver um jovem recém-saído da escola ter que abandonar o sonho de entrar numa universidade. Eles saem [dos cursos] porque têm que garantir a sobrevivência, por falta de opção, e ficam desesperançosos com o futuro", diz Leandro Neves, coordenador do Cursinho Popular Vito Gianotti.
Com duas unidades em São Paulo -na Praça da Árvore, zona sul, e no Tatuapé, zona leste-, o Vito Gianotti tinha 130 alunos no início do ano, mas só 60 conseguiram continuar acompanhando as aulas.
"Quase todos eles desistem por questões financeiras. Eles não têm dinheiro para pagar a condução até o cursinho. A gente percebe isso todo fim de mês, quando muitos começam a faltar por não ter como chegar até as aulas", conta Neves.
É o caso de Sabrina Ferreira, 19, que deixou o cursinho há cerca de dois meses por não conseguir mais pagar o transporte público. Ela estudava na unidade do Tatuapé e mora em São Mateus, também na zona leste.
"Eu não consigo emprego, só estou fazendo um bico que me paga R$ 400 por mês. Só pra ir até o cursinho eu gastava R$ 300 de ônibus. Chegava no fim do mês e eu tinha que faltar porque não tinha mais dinheiro. Me sentia frustrada, decepcionada por não conseguir me preparar como queria", conta.
No Cursinho Pré-Puc e UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em Belo Horizonte, só um terço dos alunos que entraram no início do ano conseguiu continuar os estudos até a véspera do Enem. A unidade tinha 180 matriculados no início do ano, e agora tem cerca de 60.
"Os alunos não conseguem se dedicar aos estudos, mesmo sendo um cursinho popular. É um custo alto com transporte e alimentação na rua e muitos acabam não conseguindo bancar. Então desistem e vão trabalhar", diz Richard Thuin, diretor da unidade.
No cursinho popular da Poli USP, que tem mensalidades máximas de R$ 200, também houve evasão recorde neste ano. Algumas turmas chegaram a registrar até 14% de abandono ao longo de 2022, o que nunca havia sido visto em anos anteriores. O principal motivo do abandono é também a dificuldade financeira.
Em 2019, um coletivo de cursinhos populares da capital paulista se organizou para pleitear gratuidade de passagem no transporte coletivo da cidade. Um projeto de lei garantindo o benefício foi aprovado pela Câmara Municipal, mas acabou vetado pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB).
"Há um abandono, uma invisibilização desses estudantes. O governo federal não dá incentivo para que eles acessem o ensino superior, e a prefeitura e o governo estadual também não ajudam", diz Neves, do Cursinho Popular Vito Gianotti.
Além de ser a porta de entrada para universidades públicas, o Enem seleciona os estudantes que podem ser beneficiados por programas como o ProUni (Programa Universidade para Todos) e o Fies (Financiamento Estudantil), que no ano passado tiveram os menores níveis de matrículas em uma década.
"O sonho de fazer faculdade vai ficando cada vez mais difícil, mais distante. Além de saber que eu não tive uma educação de qualidade no ensino médio, me frustra saber que as possibilidades estão mais escassas", conta Sabrina, que estudou a vida toda na rede estadual de São Paulo.
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