SHARM EL-SHEIKH, EGITO (FOLHAPRESS) - "Quando três mulheres de Rondônia sobem aqui [no palco], o nosso secretário de meio ambiente se ausenta", afirmou neste sábado (12) a ativista indígena e colunista da Folha Txai Suruí, em discurso no pavilhão organizado pelos estados da Amazônia Legal na COP27, a Conferência do Clima da ONU que vai até o dia 18, no Egito.
Além dela, representaram o estado no evento a indigenista Neidinha Suruí, coordenadora da associação Kanindé, e Marciely Ayap, coordenadora da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).
Já o secretário ambiental de Rondônia, Marco Antonio Lagos, havia participado do painel anterior na programação do estande e deixou o espaço sem se comunicar com as lideranças indígenas. A Folha procurou o secretário no estande e por meio da assessoria de imprensa do Consórcio da Amazônia Legal, mas não conseguiu contato.
"Quem está na COP falando de clima, lá em Rondônia está acabando com reservas", afirmou Neidinha Suruí. No último ano, o governo do estado aprovou leis de extinção do Parque Estadual Ilha das Flores e de redução da área da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro. Há três meses, as decisões foram julgadas como inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça de Rondônia.
As críticas das lideranças desafiam o discurso que os governadores dos estados amazônicos buscam trazer à COP27.
Diante da ausência do governo federal na agenda climática, o Consórcio da Amazônia Legal passou a buscar diretamente os parceiros internacionais para investimentos e acordos de cooperação climática. Eles montaram um pavilhão separado do espaço oficial do Brasil na conferência para destacar suas iniciativas.
O mercado de créditos de carbono é um dos instrumentos que mais mobiliza expectativas do setor privado e dos governos no Brasil. O país oferece grande potencial para sequestrar carbono no solo através da restauração florestal, por exemplo, ou do plantio de espécies madeireiras.
Para além da contabilidade do carbono, no entanto, uma preocupação internacional de países e doadores é a de não vincular seus investimentos com violações de direitos humanos, especialmente em regiões com conflitos de terra. Com isso, a voz de lideranças indígenas, quilombolas e de movimentos sociais tem sido cada vez mais procurada pelos parceiros internacionais da agenda ambiental brasileira.
"A delegação oficial do Brasil trouxe primeiras-damas, esposas de secretários, trouxe até a JBS para falar no estande oficial do país, enquanto nós não fomos chamados. Quando vamos trazer [à COP] nossas verdadeiras representações?", questionou Txai.
"Governadores e organizações do mundo todo nos convidam para reuniões e o nosso estado não quer falar com a gente", ela completou.
A violência contra povos indígenas e comunidades quilombolas foi o alvo das falas das lideranças femininas no painel. "O Maranhão hoje é um celeiro de assassinatos", afirmou Célia Pinto, coordenadora da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos).
"Nessa última noite houve um ataque contra os yanomamis em Roraima; mataram uma mulher, feriram um homem e deixaram um bebê sozinho, sem os pais", denunciou a deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR). "Não me reelegi porque meu estado é muito violento e 76% dele é bolsonarista", disse.
"O crime organizado não é só narcotráfico, mas também o latifúndio, que entra armado dentro dos nossos territórios", reforçou Célia.
A deputada federal eleita Sonia Guajajara (PSOL-SP) lembrou dos assassinatos do povo Guajajara, no Maranhão, em 2019. "Foi justamente quando estávamos na Europa denunciando para o mundo os ataques nos nossos territórios", disse.
À Folha, ela afirmou que a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) ainda não foi procurada pelo governo de transição para discutir sobre a criação do Ministério dos Povos Originários -uma promessa de campanha de Lula. Segundo ela, a pasta deve ser voltada à articulação com outros ministérios e também ao levantamento de recursos internacionais para implementar políticas indígenas.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.
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