SHARM EL-SHEIKH, EGITO (FOLHAPRESS) - Um ano depois de ganhar o mundo com um discurso na cerimônia de abertura da COP26, conferência climática da ONU na Escócia em 2021, a ativista brasileira Txai Suruí, 25, retornou ao encontro, desta vez no Egito, com agenda lotada. Ela, que se tornou colunista da Folha desde então, continuou requisitada nos corredores da COP27, prova de que as falas no palco da plenária de Glasgow, com referências aos Racionais MC's, ainda produziam eco.
Na cidade egípcia de Sharm el-Sheikh, Txai participou de dois eventos oficiais da ONU e de painéis sobre o papel de mulheres indígenas, sobre justiça climática em cidades brasileiras e também sobre cinema. Em jantares, debateu a criação de um fundo para a juventude e sobre segurança alimentar. Fez ainda reuniões com autoridades, como as do Canadá, e encontros com ativistas.
Nos diferentes ambientes, uma fala foi central: que os indígenas ocupem mais espaços de poder e sejam considerados parte essencial das soluções climáticas.
"Não existe solução de cima pra baixo. Não estou falando aqui sobre processo de consulta, é sobre tomada de decisão", repetiu diversas vezes ela, que coordena a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e o Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, estado em um dos principais arcos de devastação da Amazônia.
Por lá, assim como em Acre e Amazonas, o número de queimadas aumentou 1.200% desde a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas urnas, como mostrado em reportagem recente da Folha.
Txai criticou o tamanho e o perfil da delegação oficial brasileira na COP27, a segunda maior entre os países, atrás apenas dos Emirados Árabes. "A delegação inclui primeiras-damas, esposas de secretários, trouxe até a JBS para falar no estande oficial do país, mas nós [indígenas] não fomos chamados."
Para ela, os povos indígenas são os melhores diplomatas que o Brasil pode ter. "Durante os quatro anos de destruição do governo Bolsonaro, quem melhor representou a agenda climática do Brasil? Foram os povos originários. É ótimo saber que o Brasil está de volta [como disse o presidente eleito Lula em discurso no Egito], mas nós também temos de estar à frente disso."
Assim, ela diz, mais importante do que discutir quem vai ocupar o Ministério dos Povos Originários, uma promessa por Lula, é definir quais são as áreas de competência da pasta.
"Teremos que fazer um ministério para ficar. Para que daqui a quatro anos, independentemente do governo que assuma, esse ministério não consiga ser desmantelado."
Outro pedido a Lula é de maior ambição na meta climática do Brasil, que atualmente representa uma "pedalada": em vez de aumentar, o objetivo do corte foi diminuído no governo Bolsonaro (PL).
"Presidente Lula, eu quero uma nova NDC [sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada]. Você vai continuar com a NDC do governo Bolsonaro?", disse em evento na noite em que o petista faria discurso na COP27.
"E, no ano que vem, eu quero que a juventude e os indígenas voltem como tomadores de decisão. Eu não estou inventando a roda. O Chile é um grande exemplo de como isso pode ser feito.
No dia seguinte a essa fala de Txai, Lula participou de encontro com lideranças indígenas. A ativista, porém, não pôde comparecer porque já tinha deixado Sharm el-Sheikh.
Perguntada sobre como se sentia um ano depois da COP26, Txai afirmou ter aprendido muito desde então e ter conhecido pessoas e organizações, no Brasil e fora, que nem sabia que existiam.
"A visibilidade faz a gente alcançar espaços que não conseguiria e falar com quem muitas vezes não quer nem ouvir a gente", disse ela, que teve em Sharm el-Sheikh a companhia da mãe, Neidinha, e da irmã, Kim, também ativistas.
Apesar das mudanças em sua vida no último ano, no âmbito da COP, ela refletiu, pouco parecia ter caminhado.
"Precisamos de ações urgentes e radicais, e precisamos parar de ter medo dessa palavra 'radical', porque é disso que a gente precisa [contra a crise climática]."
Ao relembrar Glasgow, Txai também apontou diferenças prejudiciais aos movimentos sociais na COP27. No Egito, uma preocupação foi o tratamento dado a ativistas. "É um país antidemocrático, onde não podemos nos manifestar."
Por outro lado, comemorou uma participação mais forte do movimento negro na COP27, com maior presença de quilombolas.
"Eles estão em peso aqui, coisa que eu não vi na última conferência climática. Isso é incrível. Espero que outros movimentos e os demais povos da floresta, como os ribeirinhos e os extrativistas, consigam estar na próxima", avaliou.
Para Txai, a COP27 foi também oportunidade para exibições de "O Território", documentário do qual é uma das produtoras-executivas. O filme já ganhou diversos prêmios, como o do Público e o Especial do Júri de Obra Documental do Festival de Sundance. "As pessoas não sabem o que é a Amazônia, e é por isso que o filme está fazendo tanto sucesso", resumiu.
Numa das sessões, perguntaram a ela como está hoje em dia a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, palco dos acontecimentos narrados do filme.
"Infelizmente, o território continua sendo invadido, continua sendo desmatado", contou. "A gente retira todo mundo [os invasores] de lá e se a gente não der um caminho, o que vai acontecer? Eles vão voltar ou vão invadir uma nova área."
Para Txai, a solução passa "por trazer as pessoas para o nosso lado".
"Vou voltar para o território, dividir o que aprendi aqui com a base e discutir como melhor responder a um contexto político em Rondônia muito desfavorável, com um governador bolsonarista que às vésperas das eleições extinguiu mais uma unidade de conservação no estado, o que é inconstitucional, e uma assembleia legislativa e deputados federais pró-agronegócio."
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations,
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