SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Gólgota, o nome da colina onde Jesus foi crucificado, vem do hebraico e pode ser traduzido como "caveira". Ao escolher esse nome para seu projeto sobre o evangelicalismo brasileiro, o fotógrafo Ian Cheibub mira o duplo sentido que a palavra adquire num país cada vez mais evangélico: "Um território que é máquina de morte, mas também um lugar de sacrifício, ressurreição e redefinição de significados".
O Brasil, que já beirou a unanimidade católica e hoje vê a fé evangélica avançar até uma provável maioria daqui a dez anos, está ressignificando o que é ser cristão. A reportagem conversou com três pastores que Cheiub retratou para compreender melhor o pastoreio evangélico: a ex-candomblecista Norma Bastos, o ex-traficante Nilton Pereira e o evangélico de berço Silas Malafaia.
A Bíblia dimensiona a importância da função quando, no salmo 23, sublinha a onipotência divina: "O Senhor é meu pastor, nada me faltará".
No dia a dia das igrejas, o pastor serve de bússola para fiéis. Ele --ou ela, se a liderança incluir mulheres-- prega a palavra de Deus e pode saciar fomes menos espirituais, como a provisão de cestas básicas para quem precisa.
A figura pastoral acabou sendo também associada, sobretudo por pessoas de fora da religião, à alguém que quer explorar uma massa incapaz de discernir a própria subserviência.
Um olhar mais próximo, contudo, revela uma teia social bem mais complexa, marcada por uma horizontalidade que pouco lembra a hierarquia rígida da Igreja Católica.
Há denominações mais estruturadas, com um líder que pode ser chamado de apóstolo, bispo, missionário ou pastor. Mas a malha evangélica é formada principalmente por igrejas pequenas. Qualquer um pode abrir um templo e pastorear.
Silas Malafaia, 64, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo
"Quando eu nasci, meu pai já era evangélico há 17 anos. Ele veio do catolicismo e se converteu porque acreditou num Evangelho que transforma, não num cristianismo simplesmente religioso. Foi o primeiro Malafaia que se converteu.
A minha família hoje tem mais de 300 evangélicos. Eu sou a segunda geração de pastores. Com 12 anos, eu já pregava na Praça Nossa Senhora da Penha. A partir dos 15, eu evangelizava de madrugada na zona sul do Rio, na praia de Copacabana. Pregava pra viciado, pra esculhambado, pra todo tipo de gente.
Por ser evangélico, debochavam de mim na escola, me chamavam de Billy Graham [um dos maiores pastores dos EUA], falavam "aleluia, vai dar dinheiro pra pastor, otário". Não existia a palavra bullying ainda, mas a turma sofria. Hoje nas universidades o cara que é evangélico também sofre, e sofre com força. Na universidade escutam "Malafaia é homofóbico, é bolsonarista, é não sei o que", essa conversa toda.
Aos 23, fui consagrado pastor e virei o pioneiro das Assembleias de Deus na TV. Sofri perseguição por isso, porque grande parte dos pastores não admitia televisão na época. Só não me excluíram porque meu pai era um medalhão, pertencia à mesa diretora da convenção geral das Assembleias. TV e política eram coisas do diabo. Era o que você ouvia nos púlpitos. Isso alienou muito o povo evangélico. Mas eu, na TV, era fora da curva. Dizia [ao crente]: "Não, você é um cidadão como qualquer outro".
Ser pastor é um chamado. A Bíblia diz em Efésios 4:11 que Deus dá à igreja pastores. É algo que você tem que tomar muito cuidado porque você não é dono das pessoas. Como a Bíblia diz, na verdade você é mordomo, você tá tomando conta de pessoas que não são suas."
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