SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Crianças e adolescentes na faculdade? Com o crescimento do ensino superior a distância, especialmente após a pandemia, prédios de faculdades estão cada vez mais ociosos, e um novo movimento deve se ampliar na educação brasileira nos próximos anos: o de escolas da educação básica ocupando espaços antes de universitários.
Uma das escolas mais renomadas de São Paulo, voltada à classe A, a Escola da Vila, testou esse modelo em 2022. Em uma parte de um prédio da Universidade São Judas que estava ociosa, no Butantã, passou a funcionar uma nova unidade da escola, destinada a alunos do 7º ano do fundamental ao 3º ano do médio --desde então, a sede mais antiga, a 700 metros do local, ficou dedicada ao ensino infantil e ao fundamental até o 6º ano.
Uma reforma adaptou o espaço, que passou a ter quadra de areia, sala de música e refeitório, além de uma entrada separada da dos universitários.
A mudança da Escola da Vila é parte de um acordo entre dois dos maiores grupos de investimento em educação privada do país. De um lado está a Bahema Educação, que detém escolas de educação básica --entre as mais conhecidas de São Paulo, estão, além da Escola da Vila, a Viva (Vila Olímpia) e o Colégio Bis (Brazilian International School, em Moema).
Na outra ponta, está a Ânima Educação, que controla instituições do ensino superior --além da Universidade São Judas, fazem parte do grupo, entre outras, a Anhembi Morumbi e a operação brasileira do instituto de alta gastronomia francês Le Cordon Bleu, que se popularizou no programa de TV "Masterchef".
O contrato entre os grupos foi fechado em junho de 2021, quando boa parte das faculdades ainda operava a distância e já ficava claro para o mercado que a pandemia iria consolidar o modelo remoto ou híbrido no ensino superior privado --de custos bem mais baixos.
Na educação básica, por sua vez, as escolas particulares já haviam retomado o ensino presencial, que se estabelecia como insubstituível.
No acordo, a Bahema comprou três escolas da Ânima de Santa Catarina que já operavam em prédios ociosos de faculdades do grupo. As Escolas Internacionais, uma de Blumenau e outra de Florianópolis, funcionam em espaços da Unisociesc (Universidade Sociedade Educacional de Santa Catarina). Já o Colégio Tupy, em Joinville, em um prédio da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina).
A negociação previu a sublocação de espaços ociosos nos campi da Ânima para a abertura de novas unidades de escolas da Bahema. Pelo menos cinco devem ser alugados até 2025, de acordo com o contrato, mas o plano é ir além.
Em São Paulo, além da Escola da Vila no prédio da São Judas, o Intergraus, cursinho preparatório para o vestibular adquirido em janeiro deste ano pela Bahema, passou a funcionar, em março, em um prédio antes dedicado a cursos executivos e de pós-graduação da Universidade Anhembi Morumbi, na Vila Olímpia (zona sul).
Em entrevista à Folha, Gabriel Ralston Corrêa Ribeiro, presidente da Bahema, afirmou que a busca por imóveis é um dos maiores desafios da educação básica, especialmente em uma cidade como São Paulo. A instalação de uma escola em um prédio ocioso de uma faculdade, ainda que exija reformas, é naturalmente mais fácil do que em um outro tipo de imóvel.
O isolamento entre o ambiente universitário e o escolar é necessário, Ribeiro ressalta, assim como adaptações que levem as características de cada escola para aquele espaço, inclusive cores e toda a identidade visual.
A maior expansão desse modelo deverá se dar com Escola Mais, rede da Bahema voltada à classe C. Para esses colégios, o prédio tem ainda mais importância, uma vez que o uso dos espaços deve ser otimizado de forma a manter a mensalidade em um valor acessível --atualmente são R$ 840 por mês para aulas das 7h30 às 15h30.
Inaugurada em 2018 com uma unidade na Penha, a Escola Mais cresceu com a pandemia e a crise econômica, atraindo famílias que antes podiam pagar colégios mais caros. Hoje são sete unidades em São Paulo, e a oitava será inaugurada em 2023 em um prédio histórico do Ipiranga onde antes funcionava a Faculdade São Marcos.
Em Joinville, o Colégio Tupy, que opera no prédio da Unisul, foi reformado e se tornou a primeira unidade da Escola Mais fora de São Paulo.
"Estamos olhando espaços ociosos de universidades para expandir a rede para outras cidades paulistas e para outros estados", disse José Aliperti, sócio-fundador e CEO da Escola Mais, em um evento da Bahema voltado a acionistas e investidores, em novembro.
Já no caso das escolas do grupo voltadas à classe A com pedagogias mais contemporâneas, que têm uma identificação mais forte com as regiões em que estão instaladas, prédios ociosos de faculdades podem servir para a inauguração de novas unidades, como aconteceu com a Escola da Vila.
A Bahema também aposta nesse modelo de sublocação para as escolas bilíngues, um mercado em expansão.
EAD x presencial Entre 2011 e 2021, o número de ingressantes em cursos de graduação EAD (ensino a distância) aumentou 474%, enquanto o dos que se matricularam nos presenciais caiu 23,5%, de acordo com dados do Censo da Educação Superior.
Enquanto em 2011, os ingressantes em EAD foram 18,4% do total, em 2021 representaram 62,8%.
No caso das instituições privadas, o número de novos alunos em ensino a distância já havia superado o dos ingressantes em presencial em 2019, e a pandemia reforçou essa tendência. Em 2021, nas faculdades particulares, 70,5% dos novos alunos se matricularam em cursos remotos.
O Brasil tem 2.774 instituições de educação superior, sendo que quase 88% delas são privadas e apenas 12%, públicas. Em relação ao número de vagas, a rede particular é responsável por 96,4% do total.
Além disso, a ociosidade também foi consequência de uma portaria de 2019, assinada pelo então ministro Abraham Weintraub, que liberou cursos de graduação que oficialmente são presenciais a oferecerem até 40% da carga horária de forma remota, com exceção de medicina.
Com as mudanças, as universidades têm reduzido os custos, inclusive por meio do enxugamento intenso do quadro de professores.
O que também se reduz nesse cenário é a qualidade do ensino. Se, dentre os cursos presenciais, 6,2% obtiveram a nota máxima (5) na última prova do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), aplicada em novembro de 2021, no caso dos remotos somente 2,3% conseguiram esse resultado.
Além disso, quase metade (47,8%) dos cursos a distância tiveram um desempenho abaixo do mínimo exigido pelo MEC (tiraram notas 1 e 2), enquanto, no caso dos presenciais, foram 30,9%.
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