SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O anúncio feito nesta terça-feira (13) pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos de que pela primeira vez um experimento de fusão nuclear obteve mais energia do que consumiu inspira um bocado de otimismo, mas também recomenda cautela.

O resultado foi obtido por uma equipe do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, e consiste em prova de princípio de que a produção de energia pelo mesmo método que faz o Sol brilhar pode ser dominado pelo ser humano para fins pacíficos. A promessa é de energia abundante, limpa e livre de emissões de carbono, o que explica seu caráter revolucionário.

Faz seis décadas que experimentos buscam obter o resultado agora atingido. Diversas técnicas e dispositivos foram usados, com vultosos investimentos realizados em países como China, Japão e nações europeias, além dos EUA.

Em todos eles, um resultado em comum: mesmo quando a fusão nuclear foi atingida, ou seja, o sistema conseguiu levar átomos de hidrogênio a grudarem uns nos outros, liberando parte de sua massa em energia, o consumo de energia para que isso acontecesse foi maior do que a reação produziu de volta.

Em agosto de 2021, o pessoal da NIF (Instalação Nacional de Ignição), dentro do Lawrence Livermore, havia conseguido chegar perto, produzindo 70% da energia consumida com seu sistema, que usa uma técnica conhecida como fusão por confinamento inercial.

Após aprimorar o desenho do experimento, os cientistas voltaram à carga na primeira hora do dia 5 de dezembro deste ano, pelo horário da Califórnia. À 1h02, 192 lasers de alta potência foram disparados contra uma pequena cápsula onde se armazenaram átomos de hidrogênio "pesado" (conhecidos como deutério e trítio, são versões desse elemento químico que têm um e dois nêutrons em seu núcleo, além do próton que o caracteriza).

Os lasers promoveram o esmagamento da matéria, que se superaqueceu a milhões de graus (temperatura superior à do interior do Sol) e levou os átomos a se fundirem, convertendo-se em hélio. No Sol, isso acontece naturalmente, cortesia da imensa gravidade da estrela, que gera pressão sobre seu interior. Em laboratório, as coisas ficam mais complicadas.

Pois bem. Na mínima fração de segundo em que o experimento permaneceu ligado, 4% dos átomos de hidrogênio foram convertidos em hélio. E, no jargão dos cientistas, a reação atingiu o ponto de ignição -em que, em princípio, seria possível mantê-la de forma sustentável.

O número mais importante de todo o experimento: ao injetar no alvo 2,05 megajoules de energia por meio dos lasers, a fusão produziu de volta 3,15 megajoules -um ganho líquido de 53,6% (mais do que os números preliminares a que tinha tido acesso o jornal Financial Times).

Se parece pouco, tenha em mente que, até hoje, em todos os experimentos, nunca houve sequer ganho líquido. A partir de agora, não se fala mais sobre "se fusão nuclear funcionar". Começa a discussão sobre quando.

Era piada corrente entre os acadêmicos que um reator prático de fusão está 30 anos no futuro -mas isso já faz 60 anos. Com o experimento, essa contagem finalmente começará a regredir.

Durante a entrevista coletiva em que apresentaram os resultados, representantes do Departamento de Energia destacaram que ainda há muita pesquisa e desenvolvimento para levar o que no momento é um arranjo experimental a uma usina comercial, demandando muito investimento público e privado. O tempo continua sendo estimado em décadas ou, no mínimo, uma delas (meta estabelecida pelo próprio governo americano durante a gestão de Joe Biden).

Isso significa que, a despeito do justificado otimismo, é preciso ajustar expectativas. Primeiro, será preciso replicar a experiência, confirmando que não há algum erro sistemático e que ela não foi fruto de um acidente. Depois, otimizá-la a ponto de apontar um caminho claro para a formatação de uma usina de fusão nuclear prática. Por fim, implementar um programa-piloto que leve a um estágio comercial.

O mesmo caminho deve ser percorrido por meio de outros métodos de obtenção da fusão nuclear, desenvolvidos por outros grupos ao redor do mundo. A boa notícia: começa agora uma nova fase da corrida pela fusão.

A má: na prática, ainda não podemos contar com essa nova tecnologia para a redução drástica e rápida de emissões de carbono requerida nos próximos anos para conter o cada vez menos evitável colapso climático. Ninguém poderá sentar em cima das próprias mãos esperando a fusão virar realidade para perseguir metas nacionais de cortes e promover mudanças na matriz energética.

Por outro lado, o potencial revolucionário de produzir energia à moda do Sol deixou de ser uma miragem, assunto de futurólogos. Estamos falando de algo movido a hidrogênio (o elemento mais abundante e disponível do Universo), que não emite carbono, é seguro (ainda há radioatividade envolvida, mas não sairá nada como plutônio desses reatores) e, diferentemente de outras formas de energia limpa, como eólica e solar, não depende de condições ambientais locais -portanto aplicável em qualquer lugar do mundo.

Ainda há muitos desafios técnicos a serem superados, mas hoje um futuro sustentável com energia abundante deixou de ser ficção científica.


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