MIRA ESTRELA, SP (FOLHAPRESS) - Aumentar a oferta do ensino integral na rede pública é uma das determinações do PNE (Plano Nacional de Educação), um documento do Ministério da Educação aprovado em 2013 que estipulou metas, diretrizes e estratégias para a política educacional do país.

Apesar dessa previsão completar uma década, o governo paulista investiu na maior ampliação do modelo nos últimos quatros anos --eram 417 escolas de tempo integral em 2019 e, em 2023, serão 2.311, mais que o quíntuplo.

Para especialistas, apesar de necessária, a pressa na implementação não levou em conta os cuidados necessários para evitar prejuízos e a exclusão de estudantes vulneráveis.

"Foi feita uma expansão muito rápida, sem que fossem apresentados os critérios para a escolha das escolas que teriam o modelo. Também não há nenhum acompanhamento sobre os impactos e consequências dessa mudança para os jovens", diz o pesquisador João Victor de Oliveira.

Segundo levantamento feito pelo Lemadi (Laboratório de Ensino e Material Didático) da USP, em colaboração com a Repu (Rede Escola Pública e Universidade), 246 municípios paulistas --38% do total --ofertam o modelo em todas as suas escolas estaduais.

A pesquisa identificou que a maioria dessas cidades são pequenas e do interior. A diretoria de ensino de Fernandópolis, que abrange 16 municípios, é a primeira do estado a ter todas as escolas estaduais com o modelo. A segunda com maior abrangência é a diretoria de ensino de Piracicaba, em que 86% das unidades já adotaram o tempo integral.

A expansão tem sido mais lenta em regiões mais populosas, como na capital paulista e municípios do entorno. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a diretoria de ensino Sul 3, que fica na região da Cidade Dutra, tem só 13% das escolas com o modelo.

"O país precisa aumentar a oferta do ensino integral e precisa fazer isso rapidamente, mas a transição precisa ser bem pensada para que seja justa com todos os estudantes", diz Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco.

Para ele, a ampliação do modelo de tempo integral passa por garantir apoio financeiro aos estudantes para que possam se dedicar apenas aos estudos. E também envolve uma mudança cultural na população, já que em muitas regiões é comum que os pais queiram que os filhos comecem a trabalhar na adolescência.

"Não adianta impor o modelo. O país está acostumado com escolas de tempo parcial, os pais estudaram por meio período e entendem que isso é o natural. Para que a transição dê certo, é preciso respeitar essa cultura até que os pais percebam e se convençam de que é vantajoso ter o filho na escola por mais tempo", diz Henriques, que foi um dos coordenadores da implementação inicial do programa Bolsa Família.

Os especialistas defendem que é preciso garantir às famílias a opção de manter os filhos em escolas de tempo parcial e também assegurar que essas unidades não fiquem ainda mais precarizadas.

"As vontades e necessidades das famílias precisam ser respeitadas na implementação de qualquer política educacional. A imposição das escolas de tempo integral tem ampliado as desigualdades, já que os alunos mais vulneráveis são empurrados para as escolas parciais que recebem menos recursos", diz Eduardo Girotto, coordenador do Lemadi.

Um dado que indica problemas na adesão ao ensino integral em São Paulo é a diferença do alcance do modelo em termos de unidades e matrículas. Atualmente 45% das escolas estaduais paulistas têm tempo integral, mas só 17% dos alunos estudam nelas.

Em estados que a política começou a ser implementada há mais tempo, essa proporção é semelhante. Pernambuco, que implantou o modelo há mais de uma década e é referência no país nessa área, tem 67% das escolas e 61,2% das matrículas em tempo integral.

Na Paraíba, 65,7% das escolas e 55,9% das matrículas no modelo. Os dados são de um levantamento do Instituto Sonho Grande, que apoia estados em todo o país na implementação do tempo integral.

"Precisamos das escolas em tempo integral, porque é isso o que fazem os países com os melhores resultados educacionais. Na Europa, nos países asiáticos não existe escola parcial. Mas isso envolve uma mudança cultural profunda no país, por isso, a implementação precisa ser cuidadosa para não aumentarmos ainda mais a evasão e as desigualdades educacionais", diz Henriques.


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