SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O hospital A.C. Camargo renovou por mais 12 meses o contrato com a Prefeitura de São Paulo e continuará atendendo pacientes oncológicos do SUS, porém em condições mais restritas do que antes.

Em agosto passado, a Folha revelou que a instituição, com 70 anos de tradição no tratamento do câncer, tinha decidido não renovar o contrato com o município em razão da defasagem da tabela SUS. O governo do estado chegou a anunciar que disponibilizaria financiamento complementar, mas isso não ocorreu.

O acordo com o município foi firmado em 9 de dezembro. O número de novas vagas aumentou de 96 para 124, mas se concentram agora em cinco tipos de câncer: pulmão, cérebro, ocular, de medula e hepático (nos dois últimos, os tratamentos envolvem transplantes). A lista anterior havia também tumores de cabeça e pescoço e abdome.

O novo contrato prevê um montante de recursos de R$ 54 milhões, R$ 19 milhões acima do valor pago pela prefeitura em 2022 (R$ 35 milhões). A justificativa é que, além do aumento de vagas, o custo do primeiro ano de tratamento é muito maior do que nos anos seguintes.

No modelo anterior, o déficit do hospital com atendimentos SUS chegou a ser de R$ 98,5 milhões. Para fechar as contas, a instituição diz que usou recursos dos atendimentos privados. Agora, o déficit está em R$ 9 milhões. A receita líquida do hospital em 2021 foi de R$ 1,32 bilhão.

A redução do déficit também ocorre porque a instituição deu alta oncológica para quase 2.000 pacientes do SUS. No início de 2022, eram 6.500; agora são 4.498 matriculados.

Segundo Victor Piana de Andrade, CEO do A.C.Camargo Cancer Center, o hospital chegou a ter 130 mil pacientes do SUS ao longo da sua história. "Desde 1953, a gente abria os prontuários e nunca fechava. Fizemos o dever de casa, vimos quem já estava curado há dez anos, quem já tinha perdido o vínculo há mais de cinco anos, e fomos dando alta para os pacientes."

O contrato também prevê que os pacientes SUS seguirão na instituição até a alta oncológica, mas eventuais atendimentos de urgência e emergência que necessitarem passam a ser feitos pela UPA Vergueiro, localizada próxima à instituição.

Andrade afirma que todos os pacientes já foram comunicados sobre as mudanças e que a equipe médica da UPA passou por capacitação para reconhecer, por meio de sinais, sintomas e exames, quais situações de emergência estão relacionadas ao câncer e quais não estão.

"Quando for uma questão oncológica, a UPA transfere esse paciente para o A.C., a gente interna e cuida dele aqui. Quando não for, a UPA dá o destino normal que daria a qualquer outro paciente."

Ele afirma que, antes, ocorriam situações em que pacientes da instituição caíam de moto, sofriam uma queimadura, tinham piora da insuficiência renal ou complicações do diabetes, por exemplo, e iam direto para a emergência do A.C. Camargo. Por falta de vagas em hospitais gerais, o hospital acabava internando-os.

De acordo com o Atlas dos Centros de Cuidados do Câncer, do Instituto Oncoguia, 53% dos recursos públicos recebidos pelo A.C. Camargo em 2021 foram para a oncologia. O restante foi para tratar outras questões de saúde do paciente oncológico.

"A gente se via prejudicado porque a nossa missão é oncológica, nosso recurso não é infinito e eu preciso usá-lo para a causa oncológica", conta Andrade.

Segundo o CEO, a alternativa apresentada à prefeitura para manter o acordo foi que o A.C. Camargo continuaria cuidando dos pacientes --com cirurgias, radio e quimioterapia--, mas, ao acabarem o tratamento do câncer, eles seriam encaminhados a outras instituições.

"É um modelo que o estado já adota. Muitos municípios pequenos não têm como cuidar do câncer, os pacientes vêm ao Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), por exemplo, e, ao acabar o tratamento, o Icesp devolve-os para o município continuar cuidando."

De acordo com Andrade, essa situação de o hospital assumir cuidados não oncológicos dos pacientes era pior do que a defasagem da tabela SUS, do ponto de vista de sustentabilidade financeira da instituição.

"Não é o tratamento oncológico, a quimioterapia, a radioterapia, o grande problema. É a internação prolongada. E quando a gente faz isso para casos não oncológicos, tem um conflito com a fundação [Antonio Prudente, mantenedora do hospital], que é voltada para o câncer."

Em relação ao fato de as novas vagas estarem restritas a cinco tipos de câncer, Andrade diz que o A.C Camargo apresentou à Secretaria Municipal de Saúde uma lista de tumores que poderiam ser atendidos pela instituição, e foi a prefeitura que decidiu quais deles entrariam no novo contrato.

Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde diz que opção se deu porque o atendimento oferecidos pelo hospital em neuro-oncologia, oncologia pneumológica, oncologia ocular e onco-hematologia são as únicas referências da rede municipal nessas áreas.

A pasta informa ainda que tem empregado todos os esforços necessários para garantir a manutenção do tratamento dos pacientes oncológicos da rede municipal. Lembra também que inaugurou, em maio de 2022, o Centro Oncológico Bruno Covas, que dispõe de tratamento de alta complexidade, inclusive de robótica, inédito em um hospital municipal do SUS.

"A unidade tem capacidade ambulatorial para atender 10 mil pacientes por mês, além de realizar 8.000 exames radiológicos e 450 cirurgias", informou. Questionada sobre a atual fila de pacientes do SUS à espera de diagnósticos e de tratamentos no município, a secretaria não respondeu.

Ano passado, em meio às quase 2.000 pessoas que receberam alta oncológica do A.C. Camargo estava Luciana Magri, 48, da Praia Grande (litoral paulista), com um tumor neuroendócrino e metástases no pulmão, fígado e pâncreas, que estava em cuidados paliativos. Paciente do hospital desde 2007, ela recebeu o aviso por email.

Após ingressar com ação judicial, ela ganhou, em primeira instância, o direito de permanecer sendo atendida no A.C. Camargo e uma indenização por danos morais de R$ 5.000. O hospital recorreu da decisão argumentando, entre outras coisas, que, por estar em cuidados paliativos, Luciana não precisa mais estar vinculada à instituição e que poderia ser assistida no município onde mora.

"Tem sido um processo desgastante. O médico da oncologia que continua me atendendo é o mesmo que me deu alta. Criou-se uma animosidade que está difícil para mim do ponto de vista psicológico", conta.

De acordo com o A.C.Camargo, o prontuário da paciente passou por uma criteriosa reavaliação, com base nos protocolos clínico e institucional, e a decisão anterior de alta oncológica foi considerada correta.


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