SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma moradora de um prédio no centro de São Paulo, localizado na mesma rua onde se concentram os usuários de drogas que formam a cracolândia, voltava para casa quando foi abordada a poucos metros da portaria por um agente da GCM (Guarda Civil Metropolitana), que pediu para revistar sua mochila. Assustada, ela entregou a bolsa onde carregava marmita e algumas roupas.
Outra mulher relata ter passado pela mesma situação duas vezes desde que o fluxo -como é chamada a concentração de usuários de drogas da cracolândia- se instalou na rua onde mora. Em ambas as ocasiões, ela, que é babá, estava voltando do trabalho para casa.
Ao questionar os agentes, moradores da região que têm sido abordados para revista contam ter ouvido que poderiam ser traficantes por estarem bem vestidos na área onde ficam os dependentes químicos e, por isso, foram abordados.
Com medo de retaliação, os entrevistados não quiseram se identificar. Eles afirmam que as revistas representam o ápice de uma série de constrangimentos que têm sofrido por morar na mesma rua onde se instalou a cracolândia.
A situação se arrasta desde maio do ano passado, quando ações policiais esvaziaram a praça Princesa Isabel, também no centro, e o fluxo se espalhou. Atualmente a aglomeração está principalmente pelas ruas do bairro Santa Ifigênia, que ganhou novos moradores nos últimos anos.
Na última segunda (13), a Folha esteve na rua onde as moradoras foram revistadas e presenciou cerca de quatro carros da Polícia Militar e um da GCM estacionados na via durante toda a tarde. Por volta das 18h, o efetivo foi embora, e cerca de dez minutos depois parte da via já estava tomada por usuários de drogas.
Em nota, a Secretaria de Segurança Urbana (SMSU) informou que as revistas são feitas dentro do princípio da legalidade e da impessoalidade, mas não comentou se há algum tipo de trabalho para identificar criminosos antes de realizar as abordagens.
A pasta afirmou que "faz patrulhamento comunitário e preventivo, 24 horas por dia, por meio de rondas periódicas" na região da Luz e que não atua para retirar os dependentes químicos das ruas. "A GCM não atua na dispersão de pessoas, tendo um trabalho focado no controle e uso respeitoso do espaço público", disse, em nota.
Os vizinhos da cracolândia, porém, relatam ligações insistentes para a GCM durante toda a noite para pedir a desobstrução das ruas ocupadas pelos dependentes químicos, sem resultado.
As moradoras revistadas pela GCM em frente de casa viviam em bairros afastados do centro e se mudaram para o local há cerca de três anos. Entre os atrativos da região elas citam a proximidade com o trabalho, que permite fazer o trajeto a pé, e o baixo preço do financiamento dos imóveis.
O bônus da localização privilegiada, porém, hoje ficou em segundo plano. Elas contam que evitam receber visitas para poupar amigos e parentes de ter que passar pelo fluxo, e uma delas passa os finais de semana na casa dos pais, na zona leste, porque tem medo de sair de casa sozinha.
O barulho da feira livre de drogas que atravessa a madrugada também impede o sono dos moradores e o acesso a diversos serviços, como entrega de comida e viagens por aplicativo.
Mãe de um bebê recém-nascido, outra moradora da região relata que, em trabalho de parto, precisou andar em meio aos usuários de drogas até a rua de cima para embarcar no carro de aplicativo que a levou para a maternidade. Ela contou que os motoristas cancelavam a corrida provavelmente ao se deparar com a aglomeração.
A situação tem levado moradores do centro a organizar protestos em frente à Prefeitura de São Paulo para pedir mais segurança na região e a retirada dos usuários de drogas das ruas.
Tratado como prioridade na gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o tema cracolândia tem sido motivo de desentendimento entre representantes do governo estadual e da prefeitura. Um dos principais pontos de atrito é em relação ao formato das operações da Polícia Civil para prender traficantes.
O prefeito Ricardo Nunes é a favor de incursões frequentes entre os dependentes químicos, como ocorreu entre junho de 2021 e o fim do ano passado. Desde a mudança de governo, as operações policiais têm sido feitas fora do fluxo.
Há também ruído entre as áreas de saúde e de segurança. Representantes das polícias já defenderam concentrar os usuários em um lugar específico. Especialistas das áreas sociais e de saúde, por outro lado, se posicionaram pela dispersão, como acontece atualmente. E tem prevalecido a segunda opção.
Em entrevista à Folha, o vice-governador Felicio Ramuth (PSD), responsável por coordenar as ações do governo estadual para a cracolândia, contou ter se deparado com uma situação caótica do ponto de vista administrativo. Segundo ele, em quase um mês de trabalho, ainda não foi possível ter acesso aos dados de internação de dependentes químicos nas gestões anteriores.
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