SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As cidades do litoral norte de São Paulo atingidas por fortes chuvas no último fim de semana já têm documentos que deveriam orientar seu crescimento e a resposta a desastres, evitando mortes. O problema, dizem especialistas ouvidos pela reportagem, é a prática.
Eles dizem que os municípios precisam melhorar equipamentos e pessoal. Os locais atingidos no litoral norte de São Paulo usam informações do radar que fica no aeroporto de Congonhas, na capital paulista.
Afirmam, ainda, que o alerta emitido pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) na última quinta (16) sobre chuvas com possibilidade de desastres no fim de semana exigia uma preparação melhor.
"Se nós temos uma previsão, mesmo que seja de 200 mm, precisamos de Defesa Civil convocada, médicos de plantão, e parece que os municípios não têm sirene", afirma Marcio Cataldi, que coordena o laboratório de monitoramento e modelagem do sistema climático na UFF (Universidade Federal Fluminense).
Procurada pela Folha por telefone e email sobre a existência de sirene e envio de alertas antes das chuvas, a Prefeitura de São Sebastião não respondeu até a publicação desta reportagem.
Cataldi aponta quatro medidas que precisam ser adotadas para o enfrentamento de problemas estruturais. A primeira delas é melhorar o diálogo com a população, fazendo a ponte entre o alerta e líderes comunitários e assistentes sociais que cheguem às pessoas.
Para isso, é preciso encarar a Defesa Civil municipal como um órgão com corpo técnico próprio de meteorologistas, geotécnicos e hidrólogos, deixando de contar apenas com os análogos estaduais e federal.
Em terceiro lugar está a criação de um sistema de contingência, que conte com sirenes, treinamento das pessoas e plano de desastres. No plano não há menção ao termo sirene, segundo o documento publicado no Diário Oficial do município.
Ainda, o texto diz que o plano municipal de defesa civil deve ser ativado quando houver alerta de precipitação igual ou superior a 100 mm.
A quarta medida, segundo Cataldi, é uma queixa já manifestada por agentes do Cemaden de falta de investimento em corpo técnico, além da atualização e a compra de equipamentos como radares.
"O mais barato custa R$ 2 milhões. Se comparar com o gasto para recuperar a área, é nada", diz.
A ocupação urbana, apesar de ser um problema histórico, ainda pode ter saída. O crescimento da cidade deve ser feito a partir das cartas geotécnica e de risco.
A primeira descreve as características físicas do local e problemas existentes ou esperados, como chance de alagamento. Já a de risco identifica problemas possíveis em relação a tipos de ocupação, como a construção de moradias.
Chuvas e deslizamentos na serra do Mar não são novidade há tempos, segundo o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de planejamento e gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo), vinculado à USP.
"A serra do Mar tem um dos maiores índices pluviométricos do país, sempre foi assim. Nessa região acontecem chuvas extremas, com recorrência estimada de dez anos, como a que atingiu o litoral norte de São Paulo", afirma.
Segundo ele, para encontrar bons exemplos não é preciso sequer mudar de estado. "Santos e São Vicente receberam sua Carta Geotécnica ainda em meados de 1980, as recomendações foram aplicadas rigidamente e o número de acidentes fatais em morros foi reduzido."
Os documentos, ele afirma, já estão disponíveis para todas as cidades na região da Serra do Mar.
Já Cataldi cita o exemplo de Niterói, no Rio de Janeiro, que comprou um radar próprio, criou uma equipe com meteorologista, geotécnico e sociólogos e tem parcerias com o laboratório que ele coordena para atualizar modelagens matemáticas para calcular risco.
É aí que se destaca o caráter social do problema, com parcelas mais pobres ocupando áreas de risco e falta de infraestrutura urbana, como sistemas de drenagem. "Não há como se pretender resolver esta questão somente com abordagem técnica", diz Álvaro, que defende mais programas de habitação.
Eduardo Mario Mendiondo, coordenador científico do Ceped (Centro de Educação e Pesquisa de Desastres) da USP, diz que o Brasil já sabe como evitar mortes entre classes mais vulneráveis.
"Temos [no Brasil] 40 mil áreas de risco, com 70 milhões de pessoas convivendo ano a ano com enxurradas, deslizamentos de terra e falta de saneamento básico", afirma.
Ele defende mais investimento nos sistemas de Defesa Civil, com prioridade para melhorar alertas na escala de bairros e favelas, além de investir em planejamento de longo prazo.
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