SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No ponto mais mortal da tragédia no litoral norte de São Paulo, onde militares e voluntários ainda procuram dezenas de pessoas soterradas, vítimas foram atingidas justamente quando decidiram deixar suas casas, contam sobreviventes.

Cientes do risco que a chuva foram do comum representava, parte dos moradores da Vila Sahy permaneceu acordada na madrugada do último domingo (19). Bolsas com mudas de roupa junto aos primeiros corpos encontrados reforçam relatos de quem escapou por pouco: os rios de lama que se formaram quando a encosta desmoronou e arrastou quem tentava sair pelos dois becos que davam acesso onde às moradias mais altas do bairro.

"O bebê que foi encontrado morto aqui caiu do colo da mãe", relata o aposentado Geronaldo Santos, 59, morador da travessa São Jorge, para onde a enxurrada arrastou vítimas. "Ela vinha descendo ali na esquina e veio parar aqui, acho até que pode ter mais gente embaixo dessa terra", diz, apontando para um trecho em que a carro modelo Paraty da década de 1980 está quase totalmente enterrado.

Nathalia Cerqueira, 25, moradora do bairro e uma das primeiras voluntárias a ajudar no reconhecimento das vítimas, conta como seus vizinhos -um mulher, sua filha, sua neta e seu padrato- estiveram perto de escapar da morte.

"Eles foram encontrados. Já estavam saindo de casa, com mochilas e tudo. Não deu tempo de sair. A lama cobriu", conta. "Eu estava lá quando os copos chegaram, ajudei a reconhecer. Muito triste."

Em vez de sair, o vendedor Lício Mota da Silva, 45, permaneceu na sala de casa quando a terra desmoronou levando parte da sua cozinha e arrastando carros que estavam na garagem. "Fique sentado aqui no sofá, com minha mulher e meu filho", diz. "Não dava para sair porque a gente ficou cercado por água e lama passando pelos dois lados da casa."

Silva mora no topo da ladeira, numa casa em frente onde uma dezena de imóveis e seus moradores foram soterrados. Enquanto trechos de encostas dos dois lados do imóvel desabaram por completo, o barranco logo acima da residência dele permaneceu firme.

Ambulante, Silva depende do Fiat Fiorino para vender acessórios para telefone celular nas feiras da região. Apesar da garagem tomada pela água, o carro foi arrastado para fora da enxurrada e, por isso, não foi danificado. "Deus colocou a mão e segurou."

Com a retomada da chuva na região, a Defesa Civil alertou que o ideal é sim que as pessoas deixem suas casas, mas que façam isso logo nos primeiros sinais. "É importante que todos tenham a percepção de risco", explicou o coronel Henguel Pereira, secretário-chefe da Defesa Civil, em vídeo postado nas redes sociais.

"Eu concito a todos que tenham uma atenção especial: água barrenta descendo muito forte do morro, uma inclinação de poste, uma inclinação de árvore, um talude que desceu, alguma rachadura na sua casa que aumentou: é importante que saiam, procurem os locais seguros", completou.

O número de mortos chegou a 48 em decorrência das chuvas históricas que atingiram o litoral norte paulista no último final de semana, sendo 47 em São Sebastião e um em Ubatuba. O total foi atualizado na manhã desta terça-feira (21). Sete corpos (dois homens adultos, duas mulheres adultas e três crianças) já foram identificados e liberados para sepultamento, segundo o governo do estado.

O total de pessoas fora de casa, desabrigadas ou desalojadas, chega a 2.500. Os desaparecidos somam 40, mas os números ainda devem aumentar, já que há relatos de que pessoas estariam sob os escombros de estruturas que cederam.


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