SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Sou nascido e criado aqui. Nunca vi uma catástrofe como essa. Era um cenário de filme de guerra, desesperador. As casas com água no telhado, carros boiando, pessoas desnorteadas", relata o chef Eudes Assis, 46. Morador de São Sebastião (SP), ele transformou o choque inicial em uma corrente de mobilização que já produziu 10 mil marmitas e arrecadou mais de R$ 900 mil.

Ao ver as cenas da tragédia, o primeiro impulso foi ajudar. Ele imaginou usar a cozinha de seu premiado restaurante, o Taioba Gastronomia, para fazer marmitas para as vítimas e as equipes de resgate. O local, porém, havia sido tomado pela lama.

"Eu fiquei de mãos atadas no domingo (19). Eu não tinha como me locomover, o restaurante estava sem água e sem luz. A única forma que encontrei de ajudar foi abrigando algumas pessoas na minha casa, mas tinha certeza de que não era o suficiente, e isso me deixou muito triste, abalado emocionalmente."

A tristeza é visível no primeiro vídeo da série que o chef Eudes, como é conhecido, vem postando em seu Instagram para organizar doações. Empreendedor social e vice-presidente do Projeto Buscapé, que oferece aulas de modalidades esportivas e gastronomia para 170 crianças em vulnerabilidade social na praia de Boiçucanga, ele conseguiu chegar à cozinha industrial da iniciativa na segunda-feira (20) e, desde então, está produzindo marmitas.

"Na segunda, resolvi subir o morro de bicicleta. Foi desesperador porque a sensação era de que o morro ia desmoronar a qualquer momento, ia cair em cima de mim, mas cheguei ao projeto e mobilizei apenas os meus amigos de Boiçucanga porque eu sabia que, se chamasse pessoas de outras praias, seria perigoso, elas estariam correndo risco", conta.

"E foi a coisa mais linda ver como as pessoas aceitaram participar. Em uma hora como essas, sabendo usar, a rede social é maravilhosa. Vieram vários amigos, cada um com um pacote de arroz, um pacote de feijão, sal e assim conseguimos fazer 2.000 marmitas no primeiro dia", acrescenta.

Nesta terça (21), com a chegada de alimentos por meio de barcos e helicópteros, a equipe conseguiu produzir 8.000 marmitas e, nesta quarta (22), a meta é chegar a 10 mil refeições.

"Eu gosto de impactar a vida das pessoas. É uma missão que Deus me deu e que eu assumi porque a gastronomia transformou minha vida", afirma o empresário que, na infância, podia ser encontrado nas praias de São Sebastião vendendo picolé para ajudar a mãe e os 13 irmãos.

A primeira oportunidade na cozinha foi como lavador de pratos e, desde então, vieram estágios em restaurantes renomados e cursos na famosa Le Cordon Bleu, em Paris, e com o chef espanhol Ferran Adrià, considerado um dos melhores do mundo.

"Voltei oito anos depois, com 32 países carimbados no passaporte, para somar com a minha comunidade. Para mim, é uma forma de retribuir a gastronomia porque sou muito abençoado por ter escolhido essa profissão", compartilha, ressaltando o poder da gastronomia como ferramenta de transformação social e a rede de apoio que estabeleceu dentro do setor.

Essa rede tem ajudado o Projeto Buscapé e, agora, contribui para a produção de marmitas, que necessita de doações de arroz, feijão, sal, óleo, azeite, proteína, verduras e legumes. O grupo também pede material de higiene e limpeza, fraldas e absorventes para doar para as vítimas.

Além das marmitas, outra iniciativa, essa do filho de Eudes, foi a criação de uma vaquinha virtual. Mais de R$ 900 mil já foram doados por 6.750 apoiadores. O valor, de acordo com o chef, será aplicado em ações definidas por um conselho formado por líderes comunitários, funcionários da Saúde e do Conselho Tutelar, líderes religiosos e empreendedores sociais. "Vamos pensar juntos como podemos destinar esse dinheiro da melhor forma", diz.

"Essa mobilização é maravilhosa. Eu não estou sozinho. A comunidade toda está ajudando e o Brasil todo está olhando para o nosso litoral e mandando o que pode via helicóptero, via barco. É o povo brasileiro, lindo e muito solidário."

Tragédia em números Até a tarde desta quarta, foram confirmados 48 mortos, sendo 47 em São Sebastião e 1 em Ubatuba.

O total de pessoas fora de casa, desabrigadas ou desalojadas, chega a 2.500. Os desaparecidos somam 36, mas os números ainda devem aumentar, já que há relatos de que pessoas estariam sob os escombros de estruturas que cederam.


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