SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A entrega de mantimentos é intensa no portinho de Barra do Sahy, onde só embarcações pequenas conseguem entrar. Amontoados, botes e barcos motorizados contam com uma corrente de voluntários que enchem caçambas e porta-malas de seus carros, não sem antes que a confirmação do destino da mercadoria seja verificado.
Moradores e veranistas que organizam as doações para as vítimas das chuvas em São Sebastião, no litoral paulista, criaram um esquema de controle nesta quarta-feira (22) para barrar desvios de mantimentos, remédios e até equipamentos hospitalares que muitos afirmam terem ocorrido na véspera. "Saque" é um termo que organizadores preferem evitar, pois pode desestimular o envio de cargas valiosas, como água potável e alimentos.
Em Sahy, já não se compra quase nada. Refeições são realizadas por meio de doações para quem não está com a despensa cheia, o que inclui praticamente todos os profissionais e voluntários que estão no local que concentra o pior cenário da tragédia no litoral norte de São Paulo. Ao menos 48 pessoas morreram e dezenas de pessoas ainda estão soterradas na comunidade instalada sob a encosta que desabou na madrugada no último domingo (19).
"Temos um desafio logístico no portinho e não tem nenhuma autoridade nem pessoas da organização, da ONG. Eu sei que eles têm outros desafios e não podem ficar descendo lá, mas a maior parte das doações chega pelo portinho e ali a gente está com uma distribuição caótica porque as comunidades estão indo direto buscar os alimentos", conta o advogado Fábio Zuanon, 48, voluntário que tenta, às vezes aos gritos, controlar o fluxo de doações.
"Eles ainda não estão conseguindo fazer essa distribuição e a gente está com muita gente ao longo da costa sem atendimento", afirma o advogado.
Circulam pela rede de voluntários boatos de que doações desviadas estariam sendo comercializadas em comunidades distantes. Bate-bocas sobre o destino da mercadoria ocorrem frequentemente desde terça (21), quando a reportagem chegou ao Sahy.
Algo impossível de os envolvidos na distribuição verificarem, segundo Zuanon. "Isso [desvios de produtos para venda] é possível que aconteça, infelizmente. Mas as pessoas chegam aqui com fome e eu não consigo chegar lá e falar: vocês não vão levar isso para pessoas que estão em situação de escassez. Eu desconfio. Mas não consigo criar burocracia agora."
No Instituto Verdescola, ONG que fica a 20 minutos de caminhada do portinho, a advogada e diretora Fernanda Carbonelli explica à reportagem que "há uma desordem na logística de recebimento das doações, não com relação ao Verdescola, mas com as outras pessoas e entidades que estão tentando ajudar", diz. "Não há uma coordenação geral de doações. A sociedade não está conseguindo se organizar e, muitas vezes, a doação está indo para um outro local."
Ainda era manhã quando Carbonelli afirmou ter levado a reclamação à Polícia Militar. À tarde, quando a reportagem passou novamente pelo local, o cabo da PM Silva coordenava um grupo de seis homens na entrada do portinho. "Agora está tudo tranquilo, afirmou", acenando para mais uma viatura que chegava ao local.
Na manhã desta quarta-feira, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo enviou ao litoral norte mais de 300 policiais militares para reforçar o policiamento na região. Os agentes estão sendo alocados em áreas onde ficam residências que precisam ser evacuadas. O objetivo é garantir que não ocorram furtos nesses imóveis, grande receio dos moradores afetados por fortes chuvas na última semana.
"Muitas residências tiveram que ser esvaziadas por questões de segurança e para que as pessoas tenham confiança em deixar o imóvel, não ter ele violado e furtado", disse o porta-voz da PM, tenente-coronel Rodrigo Cabral. Com os recém-chegados, segundo o governo paulista, já são 462 policiais empenhados nas áreas acidentadas.
Independentemente da presença de forças de segurança, os voluntários, que são maioria em praticamente todas as frentes de ajuda, criaram estratégias para evitar problemas em relação às doações. A enfermeira Fabiana Barricelli, 36, assumiu a responsabilidade de acompanhar todos os carregamentos de materiais hospitalares que chegam ao local. Remédios tinha sumido na véspera.
"Medicamento só é transportado comigo no barco", gritou, para um barqueiro que queria levar parte da carga sem que ela tivesse autorizado. A enfermeira faz dezenas de vezes o trajeto que pode levar de 20 a 30 minutos até as marinas de Barra do Una, onde chegam doações a todo momento.
Alguns barqueiros também foram proibidos de levar materiais por estarem cobrando tarifas de até R$ 200 por pessoa para fazer o transporte até outras praias. A reportagem presenciou cobranças de R$ 100 por passageiro.
A atitude gerava reclamações porque o combustível está sendo doado por donos de barcos, que estão fazendo campanhas para arrecadar donativos. Barricelli, que também participa do trabalho de arrecadação com os barqueiros, diz que foi necessário excluir algumas embarcações. "A gente não tá mais dando combustível para quem a gente sabe que está fazendo essa cobrança indevida."
A região costeira afetada pela tempestade do último fim de semana possui 102 núcleos de ocupação desordenada e basicamente três áreas muito afetadas: Camburi, Juquehy e Barra do Sahy. A ligação com essas comunidades ainda é basicamente por mar, embora helicópteros do Exército e da Polícia Militar também estejam levando suprimentos.
Não há estrutura oficial de portos nesses locais. Na Barra do Sahy, por exemplo, não há píer. Barqueiros precisam avançar com parte do casco sobre a areia para o desembarque de carga.
No fim do dia, policiais ainda faziam a segurança, mas reclamações sobre o destino de mercadorias prosseguiam.
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