MANAUS, AM (FOLHAPRESS) - A atuação do governo Jair Bolsonaro (PL) a favor da exploração de madeira sem consulta prévia a comunidades tradicionais alimentou conflitos e divisões numa das maiores reservas extrativistas da Amazônia brasileira.

A animosidade chegou ao ápice no último dia 3, com compartilhamento de áudios de WhatsApp com ameaças de morte a lideranças indígenas e extrativistas que representam comunidades da reserva Tapajós Arapiuns, na região de Santarém e Aveiro, oeste do Pará.

Em um dos áudios, um homem, em referência a uma líder mulher, diz ter falado a ela em uma reunião que iria "meter um projétil no miolo dela" caso ela não "cumprisse com a palavra".

No governo passado, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) aprovou um plano de manejo de madeira dentro da reserva sem consulta a povos indígenas e comunidades extrativistas que vivem no lugar, uma área de 674,2 mil hectares -o equivalente a 4,4 cidades do tamanho de São Paulo.

Segundo denúncia das associações envolvidas, o órgão ambiental pretendia aprovar outros planos de manejo e manteve uma posição contrária à consulta prévia, prevista em convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário desde 2004. Além disso, de acordo com as entidades, o ICMBio deixou de dar encaminhamento a autos de infração e foi omisso na gestão da reserva.

Na gestão Bolsonaro, postos-chave do ICMBio foram militarizados. Tanto o ICMBio quanto o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) tiveram suas funções esvaziadas no governo passado.

O ICMBio é responsável pela gestão e fiscalização de unidades de conservação, como as reservas extrativistas, que são terras da União destinadas a populações extrativistas tradicionais. Entre essas populações estão indígenas, ribeirinhos e pequenos agricultores, como é o caso da reserva Tapajós Arapiuns.

Em nota, a gestão do ICMBio no governo Lula (PT) afirmou que os planos de manejo florestais na Tapajós Arapiuns serão reavaliados.

Essa reavaliação já começou em outra reserva extrativista, a Verde Para Sempre, em Porto de Moz (PA), conforme o órgão. Esta reserva tem quase o dobro do tamanho de Tapajós Arapiuns.

"Denúncias relativas à gestão serão averiguadas. O ICMBio reafirma seu repúdio a qualquer ato de violência e intimidação às mulheres. Quaisquer omissões neste sentido serão apuradas", disse o órgão.

Como não houve consulta prévia às comunidades tradicionais, associações de indígenas e extrativistas decidiram contestar os planos de manejo na Justiça Federal.

A ação foi proposta pelo Cita (Conselho Indígena Tapajós Arapiuns) e pelo STTR (Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares) de Santarém, com participação da Tapajoara (Organização das Associações da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns). O MPF (Ministério Público Federal) ingressou na ação.

Decisão liminar da Justiça paralisou planos de manejo madeireiros até que seja garantido o direito de consulta das comunidades tradicionais.

A ofensiva na Justiça, feita contra o ICMBio, é contestada por cooperativas de moradores da reserva extrativista que querem explorar a madeira.

Ameaças de morte partiram de um morador de uma comunidade onde o ICMBio lavrou autos de infração por exploração ilegal de madeira, segundo denúncia formalizada pelas associações junto ao MPF, ao CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos) e ao PPDDH (Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos).

Em três anos, o ICMBio lavrou 14 autos de infração na reserva extrativista, principalmente por transporte de madeira sem licença. Mesmo com as irregularidades, o órgão "continua a manter a posição processual contrária aos protocolos de consulta prévia", afirmam as associações no ofício que detalha as ameaças de morte.

Áudios com as ameaças foram repassados ao MPF. As ameaças teriam partido de um homem identificado como pastor Eldo, da comunidade Prainha do Maró, conforme a denúncia feita. A comunidade é sede de uma cooperativa madeireira contrária a consultas a comunidades tradicionais.

A reportagem não conseguiu localizar pastor Eldo.

O homem, na gravação, chama de "monte de vagabundo" as lideranças das organizações Cita, STTR e Tapajoara. Ele cita nominalmente Maria José, presidente da Tapajoara, e Auricélia Arapyun, presidente do Cita. Também foram ameaçados, segundo a denúncia feita, Ivete Bastos e Edilson Silveira.

Em outros áudios, um homem, que parece ser o mesmo das outras mensagens, afirma ter "os mesmos direitos que esse bando de filho de uma égua de índio". Ele diz estar "perdendo a cabeça" e que dá "vontade de fazer merda". Na gravação, ele declara ainda que "depois que tomarmos nossa decisão, não vai valer protocolo".

Na reserva extrativista existem 48 aldeias, de oito povos indígenas.

O MPF analisou a representação e os áudios e disse existir "evidente ameaça a lideranças indígenas e agroextrativistas". Um ofício foi enviado à PF para que ouça o homem apontado como autor dos áudios.

Segundo a Procuradoria no Pará, houve ainda possível crime de coação no curso do processo relacionado aos planos de manejo a cargo do ICMBio. Um inquérito em curso na PF em Santarém investiga coação por parte de pessoas favoráveis à exploração de madeira, em razão da invasão de madeireiros à sede do STTR em Santarém em 2021.

As lideranças pedem ainda a troca de servidores de confiança do ICMBio em Santarém que foram responsáveis pelos planos de manejo contestados.

Em janeiro, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) do governo Lula revogou instrução normativa que flexibilizava a exploração de madeira em terras indígenas. Publicada no fim do governo Bolsonaro, a medida permitia que não indígenas participassem do manejo.


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