SÃO SEBASTIÃO E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O aposentado Geronaldo Santos Silva, 59, sobe o morro debaixo de chuva na Vila Sahy, em São Sebastião, enquanto pequenos pedaços de pedra e um pouco de lama são levados por fios d'água que começam a se formar na rua. Ele quer mostrar o estrago do deslizamento que ocorreu há dois meses, destruindo dezenas de construções, e do qual sua própria família escapou por pouco.
A casa de Silva está a 25 metros dos destroços revirados com a terra de um dos morros que vieram abaixo. Ali, no quarteirão ao lado, morreram mais da metade das 65 vítimas da tragédia no litoral norte paulista. Mas ele está despreocupado com a chuva: sua prioridade agora é garantir que vai ficar no bairro.
Há um cartaz da Defesa Civil na porta indicando que o imóvel está interditado temporariamente. A travessa está na chamada zona laranja, onde os moradores podem passar o dia, mas devem dormir em outro lugar e sair quando chove.
Silva e quase todos os seus vizinhos, porém, estão de volta às casas em tempo integral e não pretendem sair de lá. São 13 famílias que retornaram no último mês à travessa São Jorge, que fica bem no meio de dois trechos devastados pela lama.
"Eles não querem que a gente volte, mas nós vamos ficar onde? Dormindo na rua, igual mendigo, morador de rua?", reclama Silva. Ele ficou 36 dias hospedado na casa dos patrões de sua mulher, Sandra. "Não podemos mais morar de favor."
Dois meses após os deslizamentos, a cidade segue com cerca de 1.400 desabrigados. Pouco mais da metade, 774 pessoas, estão provisoriamente em um conjunto habitacional em Bertioga enquanto aguardam pela entrega de moradias permanente. O restante continua em hotéis e pousadas da região.
Não se sabe quantas pessoas voltaram às áreas interditadas, mas o governo estadual está ciente do problema e diz orientar os moradores sobre os riscos. Além disso, cerca de 270 famílias foram autorizadas a retornar para a chamada zona amarela, onde podem ficar 24 horas por dia e sair apenas quando chove forte.
A volta de moradores a casas ameaçadas por novos deslizamentos na Vila Sahy repete um padrão comum a tragédias desse tipo. Com frequência, as vítimas preferem voltar às áreas de risco em vez de aceitar as condições dos governos para saírem de lá.
Eles dizem que não querem abandonar um patrimônio que custou caro, que enfrentam dificuldades para conseguir o auxílio-aluguel e têm medo de perder móveis e eletrodomésticos ?houve uma onda de saques nos imóveis abandonados logo após a tragédia.
A família de Silva, por exemplo, recusa a ideia de abandonar a casa que o pedreiro aposentado construiu com as próprias mãos, em troca de um apartamento da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) que terá de ser pago por décadas.
No último fim de semana choveu forte em São Sebastião e ruas da Vila Sahy ficaram alagadas. O bairro fica nos fundos da praia de Barra do Sahy, numa planície entre o sopé da serra e a rodovia Rio-Santos, construída alguns metros mais alta do que o terreno.
A geografia dificulta o escoamento da água, que passou a descer dos morros com mais força e trazendo mais lama após os desmoronamentos de fevereiro terem arrancado parte da vegetação.
Fundadora do ICC (Instituto de Conservação Costeira), a advogada Fernanda Carbonelli, 47, diz que as manilhas ?tubos para dar vazão à água? instaladas na Rio-Santos estão, em boa parte, soterradas. Segundo ela, somente um plano de urbanização com base em um profundo estudo das condições geológicas da localidade poderá evitar novas tragédias. "Nesta semana voltou a alagar. E vai alagar de novo", diz.
A reurbanização, discutida com a comunidade por intermédio da Gerando Falcões, ONG que arrecadou cerca de R$ 15 milhões para atendimentos às vítimas, está em fase de estudos.
A construção das moradias populares para a remoção de moradores das encostas, que é a demanda mais urgente da comunidade, demorará ao menos seis meses para ser concluída.
"Sabemos que não dá para resolver 30 anos em dois meses, mas o que está faltando agora é a Prefeitura de São Sebastião apresentar um plano efetivo de moradia provisória que atenda às necessidades das famílias. Não dá para elas ficarem seis meses morando em pousadas", diz Carbonelli.
A prefeitura diz que, além das 300 vagas em Bertioga, há três vilas de passagem em construção. A previsão é que duas delas, que terão 144 unidades habitacionais, estejam prontas até o final de abril. Outras 72 unidades serão construídas em um campo de futebol em Juquehy, mas o município não diz em que prazo.
O governo estadual prevê a entrega de 704 unidades habitacionais para os desabrigados em até seis meses. São 518 imóveis na praia da Baleia e 186 em Maresias. Há estudos em andamento para ampliar essas moradias ?previsão inicial, no início de março, era a entrega de 1.200 unidades.
Mesmo após a conclusão das obras emergenciais, ainda será necessário fazer mais para resolver o problema de moradia precária no município. No momento da catástrofe, São Sebastião tinha um déficit habitacional de cerca de 25 mil pessoas. Seria necessário construir de 8.000 a 10 mil casas para retirar essa população de locais inadequados.
A Defesa Civil municipal e o governo do estado ampliaram no último mês as áreas da zona amarela, onde as famílias podem ficar, e também as da zona vermelha, onde a permanência é totalmente proibida.
"Estamos fazendo um retorno às casas de forma segura. É um retorno humanizado e cuidadoso que conta com o trabalho de instituições técnicas, o IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas] e o IPA [Instituto de Pesquisas Ambientais], que observaram as condições geológicas dessas zonas", diz o coronel André Porto Rodrigues, coordenador da gerência estadual de apoio ao litoral norte, criada pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) após os deslizamentos.
A tendência, segundo o coronel, é que aos poucos a vila seja dividida entre as casas que serão preservadas e aquelas que serão demolidas. O governo estadual e a prefeitura dizem que um muro de contenção deve ser construído para evitar novos deslizamentos, mas ainda não há definição sobre o local mais adequado para isso.
"O muro faz parte de um ambiente de adequações que serão feitas na vila, e certamente a população vai ser ouvida", diz Rodrigues. "Não há qualquer tipo de coerção [para as famílias deixarem as áreas interditadas], estamos fazendo um trabalho permanente de orientação."
Enquanto a comunidade espera por respostas, há uma crise de desinformação fomentada pela falta de articulação entre entes públicos e do terceiro setor que tentam prestar serviços à comunidade, conta a cozinheira Evanildes Alves dos Santos Andrade, 56, fundadora e atual presidente da Amovila (Associação de Moradores da Vila Sahy).
"Tem muita doação de comida, utensílios, mas não tem uma organização para verem as casas que precisam de reparos, aquelas que podem ser reformadas", diz ela. "Buscam recursos sem consultar quais são as nossas necessidades."
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