SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Uma cuidadosa análise comparativa indica que a origem da agricultura no Oriente Médio, a partir de 11,6 mil anos atrás, foi um processo muito mais gradual e complicado do que se imaginava até agora.
Segundo a nova pesquisa, as populações que acabariam se tornando os primeiros agricultores do mundo manejaram uma grande quantidade de cereais, legumes e frutas ao longo de muitos séculos antes de adotar com mais frequência lavouras que depois ganhariam alcance global, como o trigo, a cevada e as ervilhas.
No começo do processo, porém, eram cultivadas plantas que hoje chegam a parecer exóticas, como tubérculos de juncos (plantas que costumam crescer na beira de rios) e um parente extinto das formas mais comuns de trigo.
O novo estudo sobre o tema acaba de sair no periódico especializado Vegetation History and Archaeobotany. Assinam o trabalho Amaia Arranz-Otaegui, da Universidade do País Basco (Espanha), e Joe Roe, da Universidade de Copenhague (Dinamarca). A dupla analisou bases de dados correspondentes a 135 sítios arqueológicos do Oriente Médio, num arco que vai do centro-sul da Turquia à fronteira do Iraque com o Irã.
Trata-se, grosso modo, da região também conhecida como Crescente Fértil, por causa da sua importância para as origens das práticas agrícolas e das primeiras civilizações da Antiguidade. Durante muito tempo, os arqueólogos consideram que ali ocorrera a mais antiga Revolução Neolítica --o processo por meio do qual os seres humanos deixaram de lado pela primeira vez a vida de caçadores-coletores relativamente móveis, fixaram-se à terra e começaram a construir grandes vilarejos e cidades.
"A ideia é que esse processo teria surgido e se espalhado de forma rápida, e por isso se fala de revolução ou de que a agricultura nasceu, com o sentido implícito de imediatez", explicou à reportagem Arranz-Otaegui, primeira autora do estudo. "No entanto, o que os estudos arqueobotânicos sugerem hoje em dia é que o processo de transição para a agricultura foi muito gradual, durou milhares de anos e não foi necessariamente direcional, ou seja, não se buscava domesticar plantas nem desenvolver a agricultura."
Estudos mais antigos sobre o tema costumavam falar de um "pacote neolítico" formado por um número limitado de "cultivos fundadores".
Além do trigo (representado por duas espécies de plantas do mesmo gênero), da cevada e das ervilhas, a lista incluiria ainda a lentilha e o grão-de-bico e, por fim, o linho, importante também por fornecer fibras para a fabricação de roupas e outros artefatos. Esse pacote teria se consolidado no Crescente Fértil, sendo depois transferido praticamente inteiro, de forma rápida, para outras regiões do Velho Mundo que adotaram a agricultura vários séculos mais tarde, como as regiões mediterrâneas da Europa (incluindo a Grécia continental e suas ilhas) e o norte da África (em especial o Egito).
A análise conduzida pela dupla de pesquisadores, no entanto, indica que, durante pelo menos mil anos após os primeiros sinais de cultivo e domesticação, os chamados cultivos fundadores foram bastante minoritários.
Eles raramente aparecem nos sítios arqueológicos, não correspondem às espécies mais antigas com sinais de domesticação e também não foram nem as primeiras nem as únicas a ser exportadas para longe do Oriente Médio.
Em vez do predomínio da lista acima, era bastante comum a presença de plantas como os chícharos e as favas (ambas leguminosas, como o feijão), além de cereais hoje menos cultivados, como o centeio e outros, e plantas do grupo da couve-flor e do nabo. Também não houve uma tentativa de selecionar os cereais cujos grãos eram naturalmente maiores no início do processo, ao contrário do que se acreditava antes.
Uma das poucas exceções são as espécies de trigo, mas ainda assim elas só passam a predominar entre 10,7 mil anos e 10,2 mil anos atrás, na "fase 2" das origens da agricultura. "Pensamos, como hipótese, que essa predominância do trigo poderia estar ligada ao consumo de certos produtos, como o pão", diz a pesquisadora espanhola.
"Hoje sabemos que os seres humanos começamos a experimentar, cultivar e gerir uma grande quantidade de plantas, e a domesticação e a agricultura foram tão somente consequências desse processo de interação entre a nossa espécie e seu entorno vegetal", conclui ela.
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