RIO DE JANEIRO, RJ E BOA VISTA, RR (FOLHAPRESS) - O fim de semana marcou um acirramento nos conflitos dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, três meses após o início da operação do governo federal a fim de acabar com o garimpo ilegal e retirar 20 mil invasores da região.

No domingo (30), quatro homens foram mortos num suposto confronto com agentes da da PRF (Polícia Rodoviária Federal) e do Ibama durante uma ação de repressão ao garimpo ilegal. No dia anterior, um indígena foi assassinado e outros dois baleados em ataque atribuído a invasores que permanecem na região.

Os tiroteios ocorreram após três meses de operação que resultou, segundo o Ministério do Meio Ambiente, na destruição de 327 acampamentos de garimpeiros, 18 aviões, dois helicópteros, centenas de motores e dezenas de balsas, barcos e tratores. O ataque de domingo foi o quarto desde o início das ações, segundo a pasta.

A ação de combate ao garimpo ilegal, porém, vem apresentando limitações reconhecidas por integrantes do próprio governo federal. Ao comentar o ataque de sábado, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, reconheceu que "ainda faltam muitas ações coordenadas até a retirada de todos os invasores do território".

A persistência nas ameaças aos yanomamis foi tema de nota conjunta da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e Texoli Associação Ninam Estado de Roraima (Taner), entidades que atuam na região.

"Mesmo depois de três meses de ações [do governo federal], o povo da Terra Yanomami ainda sofre com surtos de doenças como malária, ataques e mais mortes por parte dos invasores que insistem em continuar explorando e devastando o nosso território sagrado e derramando o sangue dos nossos parentes", afirma a nota, assinada por Dario Kopenawa, vice-presidente da HAY, e Gerson Xiriana, presidente da Taner.

Guajajara e as ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Nísia Trindade (Saúde) foram a Roraima após o ataque que resultou na morte do agente de saúde Ilson Xirixana, 36, que trabalhava no Distrito Sanitário Indígena Yanomami.

Marina afirmou que as ações do governo entram numa terceira fase, intensificando as ações de inteligência para rastrear as redes de apoio ao garimpeiros que permanecem no território, bem como a repressão ostensiva, como a que culminou com quatro mortes neste domingo.

"O governo brasileiro não vai recuar face à criminalidade. As ações vão ser reforçadas. Tem uma parte [dos garimpeiros] que está resistindo violentamente. Obviamente é preciso que haja uma ação cada vez mais intensa para poder dar a resposta", disse a ministra do Meio Ambiente.

Guajajara afirmou que os garimpeiros que se mantém na terra indígena buscam provocar conflitos. "Nossa preocupação é que tudo aconteça da forma mais pacífica possível. A gente não está de forma alguma incentivando esses conflitos. A gente quer amenizar essa situação. Não queremos derramamento de sangue."

O secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, afirmou que o governo não vai "ceder um milímetro no enfrentamento àqueles que desafiam a autoridade".

Em 20 de janeiro deste ano, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou estado de emergência em saúde pública na terra indígena. A crise sanitária e de saúde na maior terra indígena do Brasil está associada ao avanço do garimpo ilegal de ouro e cassiterita, aceito e estimulado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).

Parte dos garimpeiros ilegais deixaram espontaneamente a terra indígena após o início das ações do governo. Mais de 20 mil invasores ocupavam o território, inclusive regiões antes intocadas, próximas à fronteira com a Venezuela.

Em fevereiro, foi iniciada a operação da Polícia Federal e das Forças Armadas para desmobilizar a estrutura ilegal ainda existente na região. No início de abril, houve um endurecimento por parte do governo ao fechar completamente o espaço aéreo sobre a terra indígena -antes, ele estava apenas parcialmente bloqueado, com a criação de um corredor para que os garimpeiros pudessem deixar a área.

Na terça-feira (25), a Polícia Federal deflagrou uma operação contra um grupo suspeito de intermediar a compra de ouro extraído ilegalmente da área. O inquérito aponta que a suposta organização criminosa movimentou mais de R$ 30 milhões em quatro anos.

As autoridades federais declararam ver indícios de envolvimento de facções criminosas no suporte aos invasores que continuam na terra indígena após três meses de operação.

"A insistência em permanecer, mesmo com todos os esforços de convencimento para a saída pacífica, é uma demonstração de que existem forças muito poderosas economicamente por trás dessa ação criminosa. Porque o garimpeiro pobre, não consegue fretar uma aeronave, não tem um barco com motor potente, abastecimento de comida", disse Marina.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, os quatro supostos garimpeiros ilegais mortos na ação da PRF e do Ibama atacaram os servidores federais quando desembarcavam para fiscalizar uma área de exploração ilegal dentro da terra indígena.

"O ataque, ocorrido na região de Uiaiacás, é investigado pela Polícia Federal. Há indícios de que uma facção criminosa controla o garimpo em que houve o confronto", afirmou a pasta, em nota.

De acordo com a PRF, foram apreendidos um fuzil, três pistolas sete espingardas, entre outros materiais para confronto (munições, carregadores, coldre, por exemplo).

"O ataque ocorreu durante tentativa de desembarque da aeronave PRF, quando criminosos, munidos de armamento de grosso calibre, atiraram contra os agentes no intuito de repelir a atividade de repressão ao garimpo ilegal. Os policiais revidaram e atingiram quatro atiradores, que não resistiram aos ferimentos", afirmou a corporação, e nota.

Segundo o ministério, esse é o quarto ataque contra servidores do Ibama desde o início da operação para expulsão dos garimpeiros, em fevereiro. A PRF fez relato semelhante. "Recente histórico aponta para ocorrências em outros acampamentos clandestinos, como nas comunidades Maikohipi e Palimiú, sempre na tentativa de inibir o trabalho de desintrusão das terras demarcadas."

Um dia antes da operação, três indígenas foram baleados num ataque à comunidade Uxiu, na região do Alto Mucajaí.

De acordo com a nota conjunta emitida pela HAY e Taner, entidades indígenas da região, o atentado ocorreu durante uma cerimônia fúnebre às margens do rio Mucajaí. Seis garimpeiros num barco dispararam em direção ao grupo que participava do ritual, atingido Ilson Xirixana na cabeça.

Segundo o relato, os indígenas então iniciaram uma perseguição a barco contra os garimpeiros. Os invasores, afirmam as associações, fizeram novos disparos e atingiram outros dois indígenas, que permanecem internados.

As entidades afirmam que estavam no barco dois garimpeiros "conhecidos dos agentes públicos da Funai e Ibama". De acordo com as duas organizações, o barco da dupla tinha autorização para acessar a terra indígena para viabilizar a retirada de invasores ilegais.

"Só que a autorização do barco venceu em 06 abril quando o espaço aéreo também foi fechado para aviões não autorizados na Terra Yanomami e mesmo assim eles continuam transitando dentro do território", afirmam as duas entidades, em nota.

As associações declaram também que liderança da comunidade Uxiu se organizam para atacar barcos de garimpeiros que passarem próximos às margens do rio Mucajaí. "Isso significa que pode ocorrer a qualquer momento mais uma tragédia naquela região."


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