SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto máquinas já batem estacas no Sertão de Maresias para iniciar as fundações de prédios destinados a famílias atingidas pelas chuvas de fevereiro em São Sebastião, associações de moradores tentam convencer a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de que ainda há tempo para reduzir a altura dos edifícios.
Esses grupos argumentam que alterações legais que permitiram as obras emergenciais podem desencadear um processo de verticalização que mudará definitivamente a paisagem em muitos pontos da cidade no litoral norte paulista.
O projeto da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo) para a construção de 704 moradias prevê que a maior parte dessas unidades ficará em prédios de apartamentos com quatro andares, incluindo o térreo. Considerando uma estimativa de 3 metros de altura por andar, os edifícios terão 12 metros. O Plano Diretor do município restringe o gabarito a 9 metros, embora abra algumas exceções, como para equipamentos de interesse social.
Plano Diretor é a legislação que busca organizar o crescimento da cidade. Decisões que modificam essa e outras regras sobre a ocupação do solo nas cidades precisam passar por discussões públicas e serem votadas pelas câmaras municipais.
Após a tragédia que matou 65 pessoas no litoral norte, porém, um decreto do prefeito Felipe Augusto (PSDB) alterou o artigo 48 do Plano Diretor para permitir que a CDHU construísse prédios com até cinco andares, o equivalente a 15 metros. A prefeitura afirma que o decreto é direcionado às necessidades da companhia estadual, "sem qualquer possibilidade de verticalização" do município.
Mas um trecho do texto que prevê novos decretos para destinar mais áreas para a habitação social é visto como um "cavalo de Troia", diz o engenheiro Ivan Maglio, consultor em planejamento urbano e ambiental que trabalhou na elaboração do Plano Diretor sebastianense.
"Basta vir um decreto revogando o artigo 48 do Plano Diretor que se verticaliza São Sebastião no nível da avenida Paulista", diz Maglio. "Há muita preocupação em abrir o gabarito e, com isso, quebrar toda essa visão sobre a manutenção paisagística", afirma.
Na tentativa de demover a gestão Tarcísio de avançar com o projeto de prédios de quatro pisos, a Federação das Associações de Bairros Pró-Costa Atlântica, que reúne sociedades de localidades na costa sul da cidade, enviou uma proposta ao governador para tentar comprovar a viabilidade de atender a demanda por moradias sociais dentro dos atuais parâmetros urbanísticos.
A proposta da Pró-Costa Atlântica prevê prédios com três andares, o térreo e mais dois. A mudança aumentaria a quantidade de edifícios e tornaria as obras mais caras, pois o solo arenoso e alagadiço do litoral requer fundações profundas e drenagem.
O custo da construção é, segundo a avaliação de grupos contrários à verticalização, uma espécie de antídoto contra grandes construtoras interessadas em instalar na cidade empreendimentos do mercado popular de habitação que poderiam ser desvirtuados para a especulação imobiliária.
Responsáveis por áreas técnicas da SDUH (Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação) do estado disseram à reportagem que o plano do governo busca atender a demanda por moradias sem criar desarmonia com o projeto urbanístico da cidade.
A secretaria afirmou que, da maneira como o decreto foi elaborado, somente a CDHU pode se beneficiar das condições determinadas no texto e isso não abre brechas nem sequer para segmentos do mercado popular de habitação. Dadas ainda as condições de financiamento subsidiado em até 30 anos que impedem a venda do imóvel até que esteja quitado, o órgão diz que a especulação é improvável.
A área técnica da secretaria admite, porém, que edifícios mais altos podem ser necessários no futuro para ampliar a oferta em localidades onde a disponibilidade de terrenos é mínima.
A justificativa é que o déficit habitacional não se resolverá após a entrega das moradias para quem perdeu a casa após o desastre do último Carnaval. Existem ao menos 7.000 famílias em áreas sujeitas a deslizamentos ou inundações na cidade.
Apesar de admitir a escassez de terrenos na faixa habitável de São Sebastião, concentrada em planícies costeiras que representam um quarto do município, um estudo da federação de moradores diz que as 100 Zeis (Zonas de Especial Interesse Social) existentes comportam 17 mil moradias no modelo de prédios de três andares que está propondo, garantindo vaga de garagem a todas as unidades e espaço para postos de saúde, escolas e outros equipamentos urbanos exigidos por lei.
Sobre a proposta dos moradores, a SDUH diz que o projeto das 704 unidades emergenciais aproveita ao máximo os terrenos disponíveis nos bairros Maresias e Baleia Verde e que aqueles que contestam isso não têm em mãos os dados atualizados sobre as áreas dos quais o estado dispõe.
CORRIDA IMOBILIÁRIA NÃO PREOCUPA SOMENTE ELITE SEBASTIANENSE
Independentemente da legítima preocupação com o prejuízo ambiental provocado pelo eventual adensamento da costa sul sebastianense, paira sobre o movimento contrário à verticalização a pecha de que o grupo se resume a ricos interessados em manter a suas propriedades valorizadas, a despeito da crescente necessidade de moradia para a população pobre que chega ao município em busca de trabalho.
Essa fama ganhou força após um vídeo de uma reunião de moradores de Maresias, ocorrida em 2020, que mostra o ex-chefe da Secretaria de Comunicação da gestão Bolsonaro, Fabio Wajngarten, colocando a sua posição no governo à disposição do grupo contrário à construção de moradias populares naquela localidade.
Na ocasião, a Caixa Econômica negou financiamento para o conjunto habitacional da faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida, que atende a população de baixa renda.
Mas a preocupação quanto à verticalização não está restrita à elite de São Sebastião.
Em 19 de abril, quando a tragédia completou dois meses, o movimento União dos Atingidos, que representa cinco bairros mais prejudicados pelos deslizamentos e alagamentos, levou para a porta da prefeitura cartazes com frases contra edificações mais altas.
A Amovila (Associação de Moradores da Vila Sahy), que representa a comunidade mais afetada pelos desmoronamentos, ainda não decidiu se concorda com o plano da CDHU e cobra mais explicações sobre o projeto.
Representantes dessas organizações disseram temer que a ampliação da oferta imobiliária atraia mais pessoas para localidades com baixa infraestrutura de saneamento e saúde, em vez de garantir moradia para a população local que habita áreas de risco.
Essa hipótese é refutada pela CDHU, que afirma estar realizando um rigoroso levantamento para atender exclusivamente munícipes em áreas de risco.
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