OXFORD, REINO UNIDO, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Foi com um misto de incredulidade e revolta que um grupo de cerca de 90 mulheres ativistas e filantropas da área ambiental recebeu a lista de lideranças destacadas pelo Reino Unido para organizar a COP26, conferência sobre clima da ONU realizada em 2021 na Escócia.
"Não havia uma única mulher", recorda a ativista Bianca Pitt, uma das participantes do grupo em questão, chamado Women of the Environment Network (Rede de Mulheres do Meio Ambiente).
"Pensamos que seria suficiente conversar com o governo, que eles montariam uma equipe nomeando algumas mulheres e que todos nós poderíamos retomar nossas atividades normais."
Mas o resultado foi bem diferente. "Para minha grande surpresa, as autoridades com quem conversamos simplesmente não entendiam, não viam nenhum problema. Por quê? Porque não eram mulheres."
Foi nesse vácuo de soluções que nasceu então a campanha She Changes Climate (Ela Muda o Clima). Fundada por Pitt e outras ativistas, a iniciativa destaca a urgência de incluir mulheres em posições de liderança nas questões climáticas --uma pauta que ela mesma, admite, ainda não tinha consciência da relevância.
"Como cresci na Europa e tive a sorte de frequentar uma universidade, eu acreditava que poderia fazer qualquer coisa que quisesse. Simplesmente, não estava ciente da desigualdade que as mulheres enfrentam ao redor do planeta, tampouco estava ciente das verdadeiras causas da nossa crise climática", diz.
Mergulhadas em estudos "a partir das cozinhas das nossas casas", uma vez que o movimento surgiu durante a pandemia, as ativistas conseguiram mapear diversas lacunas. Na ONU, por exemplo, apenas cinco mulheres estiveram na presidência de negociações climáticas em 27 anos de história das COPs.
Além disso, o Plano de Ação sobre Gênero, assinado na COP25, em 2019, que buscava aumentar o número de mulheres nas posições mais altas das cúpulas, se tornou uma mera formalidade, segundo Pitt.
"As regras foram ratificadas, mas, depois disso, nada aconteceu, basicamente. Não temos o poder de obrigar os países [a aplicá-lo]."
PERGUNTA - Como o fato de ser mãe fez de você uma ativista?
BIANCA PITT - A maternidade foi o primeiro passo dessa minha jornada, há 13 anos. Tirei uma licença quando nasceu minha filha, e aquela pausa do trabalho me deu a oportunidade de fazer leituras em outras áreas além dos meus interesses profissionais imediatos, que, na época, eram o setor editorial e de mídia.
Quanto mais eu lia e quanto mais perguntas eu fazia, mais eu começava a perceber que estávamos caminhando para um momento muito, muito difícil para o planeta.
Então, decidi não voltar para o mundo da mídia e não montar minha empresa, o que era algo que eu queria fazer há algum tempo na época. Em vez disso, decidi concentrar realmente tudo o que tenho e posso --minha experiência, minha rede e minha mente-- para tentar criar um mundo diferente.
Tive muita sorte de conhecer algumas pessoas e, assim, comecei a me envolver com instituições filantrópicas como a Client Earth, que é uma das principais firmas de advocacia ambiental sem fins lucrativos do mundo. Além disso, conheci um novo grupo de pessoas que tinham ideias e ambições semelhantes às minhas. Juntas, conseguimos montar novas redes, como a Women of the Environment Network, e, por fim, criamos a campanha She Changes Climate.
Por que a equidade de gênero em posições de liderança é fundamental para enfrentarmos a crise climática?
B. P. - Quanto mais pesquisamos, mais percebemos que, de fato, as mulheres podem fazer uma enorme diferença quando são nomeadas para debater o clima.
Os países com mais parlamentares mulheres têm políticas climáticas melhores e emissões mais baixas. O mesmo vale para os conselhos das empresas. As empresas com mais mulheres no conselho têm políticas climáticas melhores e mais bem implementadas. Elas são mais propensas, por exemplo, a divulgar dados sobre emissões de carbono.
Curiosamente, mesmo se olharmos para os padrões de compras individuais de homens e mulheres, segundo um estudo sueco, as mulheres são mais propensas a escolher produtos e serviços com baixas emissões. É mais provável que, por exemplo, elas passem férias em casa ou no próprio país que no exterior.
Elas são mais propensas a usar o transporte público. Quando dirigem, costumam ter carros menores. Elas costumam consumir mais vegetais que carnes e assim por diante.
Estou muito contente por vocês, no Brasil, por terem a Marina Silva como ministra do Meio Ambiente. É uma excelente escolha e é, de fato, a voz feminina que precisamos ouvir também nas negociações climáticas internacionais. Por que digo isso? Se tivermos apenas um tipo de pessoa debatendo as políticas públicas e sua implementação, obviamente as decisões serão tomadas dentro de uma bolha.
Estamos falando de pessoas em cargos de liderança e com poder de decisão. Não estamos falando de assistentes, suplentes ou quem mais fizer parte da delegação ou da equipe mais ampla de liderança da COP. Estamos dizendo que nós, mulheres, precisamos estar entre os principais negociadores.
As mulheres são 50% da população mundial. Não é apenas uma questão de justiça e igualdade: é mais inteligente tê-las na equipe, e precisamos estar cientes de como elas estão sendo excluídas.
Qual é o escopo do trabalho da She Changes Climate e quais são as prioridades atuais?
B. P. - Quando começamos, há dois anos, pensamos que seria uma campanha de apenas três meses, até que percebemos não somente a magnitude do problema, mas também que a exclusão com a qual estamos lidando é responsável pela crise climática.
É necessária uma presença permanente para defender a paridade no topo das negociações climáticas internacionais. Tenho certeza de que todo país é capaz de identificar pelo menos uma negociadora forte que seja mulher.
Além disso, estamos clamando pela inclusão e empoderamento das mulheres em outros lugares, como nos conselhos de empresas.
E estamos também dando destaque às mulheres que atuam na linha de frente da defesa ambiental. O Brasil tem um grupo fantástico de mulheres indígenas que atuam na defesa da Amazônia.
Sabemos que essas mulheres são, muitas vezes, perseguidas. Elas são mortas, no pior dos casos, ou têm de abandonar suas casas e seus filhos e fugir. Isso é algo que precisamos definitivamente mudar.
Ter uma mulher à frente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) pode fazer a diferença? O Brasil, por exemplo, está propondo o nome da cientista Thelma Krug.
B. P. - Sem dúvida. Infelizmente, estamos percebendo que a lacuna de gênero está crescendo, o que é uma catástrofe. Por que digo isso? Porque, em tempos de crise, guerras e emergências e, claro, à medida que a crise climática piorar, a situação vai se deteriorar, e será cada vez mais difícil que mulheres assumam cargos de liderança.
Durante a pandemia, por exemplo, as mulheres tinham mais chance de perder o emprego e menos probabilidade de retornar ao trabalho, o que é um exemplo claro dessa interconexão entre os sistemas ambiental, social e econômico.
A líder indígena Célia Xakriabá [deputada federal pelo PSOL-MG] foi citada entre as mulheres que mudariam o clima em 2022, segundo a She Changes Climate. Poderia comentar a diversidade dos perfis das mulheres da lista?
B. P. - Não damos suficiente atenção ao Sul Global. A geopolítica tem sido completamente dominada pelo Norte Global. Temos uma tarefa enorme pela frente no sentido de compensar danos no mundo todo: nós exportamos nossas emissões e não levamos em conta as externalidades de nossas práticas muito, muito prejudiciais.
Temos de incluir mulheres que estejam na vanguarda em todos os países e que trabalhem não apenas na política, mas também nas comunidades.
Precisamos ver mais pessoas indígenas, especialmente. O Brasil tem muita sorte por ainda ter um grupo tão incrível de líderes da biodiversidade com quem precisamos conversar.
Quando queremos aprender algo com alguém, devemos procurar os melhores em cada campo e, quando se trata de biodiversidade, os povos indígenas são os melhores em absoluto.
A She Changes Climate planeja ir à COP28 (conferência da ONU que será realizada em novembro em Dubai)?
B. P. - Quando fiquei sabendo quem seria o anfitrião, meu "alarme" disparou. Pensei em virar comediante e começar a falar sobre negociações climáticas ao lado da bomba de petróleo.
Porém, se não formos a essas negociações climáticas, deixaremos todo o espaço para a indústria de combustíveis fósseis. Temos de estar lá para mostrar que nós somos importantes. Não podemos respirar petróleo. Não podemos beber petróleo. O petróleo não vai nos garantir a sobrevivência neste planeta.
RAIO-X
Bianca Pitt
Ativista, é uma das cofundadoras da campanha She Changes Climate. Integra o conselho de diversas entidades filantrópicas, como ClientEarth, The Environmental Funders Network e The Sustainable Angle. Junto ao marido, financia a cátedra de sustentabilidade ambiental do Insead, uma das principais escolas de negócios do mundo. Mora com a família em uma fazenda em West Sussex (Inglaterra), onde mantém um projeto de agricultura regenerativa.
PLANETA EM TRANSE
Planeta em Transe é uma série de reportagens e entrevistas com novos atores e especialistas sobre mudanças climáticas no Brasil e no mundo. Essa cobertura especial acompanhou também as respostas à crise do clima nas eleições de 2022 e na COP27 (conferência da ONU realizada em novembro no Egito). O projeto tem o apoio da Open Society Foundations.
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