No Brasil, uma em cada quatro mulheres foi vítima de algum tipo de violência de gênero em 2021, segundo a pesquisa Visível e Invisível, do Fórum Nacional de Segurança Pública. Mas, em 2022, para 1.400 mulheres o destino foi além da agressão, chegando à morte: o feminicídio. Um crime que não faz apenas a vítima, mas impacta a família e, principalmente, os filhos da mulher assassinada. 

O assunto é tema do episódio Órfãos do Feminicídio, do programa Caminhos da Reportagem, que vai ao ar neste domingo (28), às 22h, na TV Brasil.

A filha de Nicelia Vitor de Oliveira Pimenta, Jéssica, faz parte das estatísticas. Morta pelo marido em novembro de 2022, ela deixou dois filhos, um de 13 e outra de 7 anos. Dias antes do assassinato, o marido da vítima havia tomado o celular dela. Nicelia descobriu que a filha tentou pedir ajuda dias antes. “No mesmo dia (em que o marido pegou o celular), ela foi à delegacia pedir medida protetiva, mas não sei por que ela não fez”, conta. A mãe questiona se a filha foi ouvida e tratada de forma que não se sentiu segura para prosseguir com a denúncia.

“Quando a gente vai a qualquer instituição buscar socorro, a primeira coisa que se quer é um bom acolhimento, um olhar especializado e que entenda de forma técnica o que você está passando”, diz Gislaine Campos Reis, coordenadora do Núcleo Judiciário da Mulher, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). 

Difícil saber o que houve no dia e se um atendimento diferenciado teria evitado a morte de Jéssica. A realidade é que hoje a avó, além de lidar com o próprio luto, também precisa acolher a neta. “Na consulta dela com a psicóloga, eu falei que preciso dar um retorno, ela sempre me pergunta o que aconteceu com a mãe. Como é que eu falo? Porque ela sabe que o pai matou a mãe e onde colocou o corpo, ela sabe”, conta a avó.

Além dos traumas do crime nas crianças, muitas vezes o feminicídio também abre portas para outros tipos de violência. Foi o caso de uma jovem de 19 anos, que hoje vive em um abrigo de Brasília e não quis se identificar. Aos 5 anos, ela viu a mãe ser morta pelo pai, que não foi preso. A criança e os irmãos foram viver com a avó paterna, que os maltratava. Aos 13 anos, ela se mudou para a casa do pai e foi vítima de abuso sexual. “Quando eu contei do abuso para a minha família, simplesmente falaram que era mentira minha, que eu estava querendo botar meu pai na cadeia”, afirma.

O psiquiatra André Salles, especialista em infância e adolescência, também explica que as agressões, muitas vezes, já ocorrem antes da morte, e os filhos podem começar a ver esse tipo de situação como normal. “São crianças que vivem em uma situação de violência prévia e acabam entendendo no seu desenvolvimento que a resposta às injúrias, às dificuldades do ambiente, deve ser feita de maneira violenta”, explica.

Só no Distrito Federal, no primeiro trimestre do ano, houve um aumento de 350% dos casos de feminicídio. Uma das vítimas deste ano foi esfaqueada no meio da rua pelo ex-companheiro, em frente ao filho de 13 anos. Segundo a família, a vítima havia pedido medida protetiva contra ele, que já tinha várias passagens pela polícia. 

O assassino havia sido preso semanas antes por tentar invadir a casa dela. Assim que foi solto, cometeu o feminicídio. Hoje, está preso preventivamente. O filho e testemunha do assassinato da mãe está morando com uma tia, sabe que vai carregar o trauma pelo resto da vida. E só tem um desejo: “que ele fique preso e me deixe em paz, eu e minha família”.

 

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