SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Antes do sol nascer e com as ruas ainda pouco movimentadas, apitos e assobios ecoam entre prédios nos arredores das avenidas Duque de Caxias e São João, na região central de São Paulo, nas proximidades da cracolândia.
Na era dos aplicativos de mensagens, mães moradoras da maior cidade do país adotaram a tecnologia primitiva de comunicação para avisar a vizinhança que estão a caminho do ponto de ônibus onde embarcam seus filhos rumo à escola.
Com o barulho, elas se agrupam para tentar afugentar assaltantes que agem na região e, ao mesmo tempo, mantêm dentro das bolsas ou em casa seus telefones celulares. Os aparelhos são cobiçados por criminosos que atacam em bandos e fogem a pé ou de bicicleta em direção à cracolândia, buscando camuflagem em meio aos dependentes químicos.
A Secretaria da Segurança Pública afirma que as ações policiais na área foram intensificadas.
A Folha acompanhou na sexta-feira (2) o grupo de cinco mulheres que diariamente se reúne pouco antes das 6h para conduzir os filhos pré-adolescentes que tomam a condução para o colégio Salesiano Santa Teresinha, na zona norte da cidade. O trajeto passou a ser necessário após a suspensão do ensino básico privado no Liceu Coração de Jesus em meio ao agravamento da crise de insegurança na região.
A comunicação com apitos teve início neste ano, após assaltos ou tentativas vivenciadas ou testemunhadas pelas mães na região, conta a securitária Carmen Lucinda, 53. Ela comprou e distribuiu os apitos para as colegas.
"Desde a saída da cracolândia da praça Júlio Prestes, as tentativas de roubos aumentaram horrores. Eu precisei correr várias vezes", diz a moradora, descrevendo um dos deslocamentos de usuários de drogas provocados por ações do poder público na tentativa de dificultar a venda e o consumo de substâncias ilícitas na região.
Ao longo do último ano, quando uma operação policial dispersou a cracolândia que ocupava a praça Princesa Isabel pelas ruas dos bairros Campos Elíseos e Santa Ifigênia, o fluxo de dependentes químicos ocupou ao menos oito ruas na tentativa de se fixar em um novo ponto. Em maio deste ano, a Folha mostrou a rotina de medo dos moradores dessas vias.
A sensação de desamparo tem levado moradores a adotar estratégias arriscadas. Depois que sua esposa foi ameaçada com uma faca em uma tentativa de roubo de celular há algumas semanas, o artista plástico Reginaldo Ricardo Paz, 67, se juntou ao grupo para escoltar mulher e filha. Ele vai munido de um facão.
Envolvida em um tecido escuro e carregada na mão esquerda, a lâmina de 50 centímetros é "uma proteção", diz Paz. "Tentaram assaltar com uma faca de cozinha. Se eu estiver com esse facão, talvez eles desistam", relativiza, mesmo sabendo que a orientação dos órgãos de segurança é para que as vítimas não reajam às investidas de criminosos.
O uso de armas brancas e outros dispositivos de segurança pessoal passou a ser comum e reflete a descrença da população na eficácia da polícia para combater a criminalidade, diz o sociólogo Pablo Almada, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP e morador da região central paulistana.
"Quando a polícia age, o faz com excesso de força contra usuários de drogas e moradores de rua", diz Almada. "Mas essas gangues de criminosos não têm territorialidade. Costumam vir de outras áreas para agir no centro da cidade."
Juliana, 49, prefere se armar com o barulho. Usa um apito mais potente, da época em que era líder de escoteiros. Costuma ser uma das primeiras a sair à rua para chamar as colegas.
Ao pedir para não ter o sobrenome revelado na reportagem porque teme represálias, ela explicou que as ações de criminosos foram reportadas diversas vezes às autoridades por meio de boletins de ocorrência, além de relatadas aos Consegs (Conselhos Comunitários de Segurança) da região.
Mesmo assim, o patrulhamento da Polícia Militar não é realizado nas primeiras horas do dia, afirma. "Tentamos de tudo e o que nos restou foi agir por conta própria", desabafa. A reportagem permaneceu no ponto de ônibus entre 5h30 e 7h e não avistou viaturas da Polícia Militar durante o período.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou em nota que as "ações policiais na área central da capital foram intensificadas pela ampliação da parceria existente entre o poder público e a comunidade na região, o que resultou em diversas operações realizadas na área pelas polícias Militar, Civil e Técnico-Científica".
Segundo o órgão estadual, na região dos distritos policiais dos bairros Campos Elíseos e Santa Cecília, foram presos 990 suspeitos de janeiro a abril deste ano, 49% mais do que no mesmo período do ano passado, quando foram 665. Só em abril, afirma a nota, foram 238 presos.
A pasta ainda afirmou que "o policiamento é dinâmico, realizado diuturnamente pela Polícia Militar e foi reforçado com mais de 120 homens, sendo 80 em motocicletas". O governo estadual também destacou que a investigação da Polícia Civil foi ampliada com a atuação de 50 agentes.
*FURTOS E ROUBOS CRESCEM PERTO DA CRACOLÂNDIA*
Entre janeiro e abril, as ocorrências de roubo cresceram 18%, e as de furtos, 35%, segundo dados do distrito policial que atende o bairro de Campos Elíseos, na região que concentra a cracolândia.
As ocorrências dos mesmos crimes se mantiveram estáveis, com ligeira queda na comparação entre janeiro e abril deste ano e os mesmos meses de 2022 na Santa Cecília. O bairro da região central acumulou meses de altas de crimes após a dispersão da cracolândia pelo centro, em maio do ano passado.
Ao comparar março com abril deste ano, houve queda de furtos e roubos nos dois bairros. Em Campos Elíseos, os roubos caíram 31%, e os furtos, 28%. Em Santa Cecília, a redução foi de 16% e 15%, respectivamente.
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