SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Houve crescimento na participação de negros no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) no país, mas a diferença entre as médias de notas por raça só cresceu, com candidatos branco mantendo desempenho superior em relação aos demais. E isso vale tanto para alunos provenientes de escolas públicas quanto de privadas.
A conclusão é de levantamento feito pelo núcleo de estudos raciais do Insper. O trabalho abrange o período de 2010 a 2019.
Segundo os pesquisadores, mulheres negras obtiveram as piores médias no intervalo analisado. Outro fenômeno observado foi o aumento da diferença de desempenho entre pardos e pretos em quase todas as regiões.
No Sudeste, por exemplo, homens pardos alcançaram média de 532 em 2010, enquanto os pretos, de 524. Em 2019, pardos mantiveram a média de 532, e a de pretos atingiu 517. Já entre as mulheres, pardas tiveram média de 519 em 2010 e pretas, de 515. No ano de 2019, as médias foram de 517 e 509, respectivamente.
A pontuação possível no Enem vai de 0 a 1.000. Ela não se baseia na quantidade de acertos, mas na Teoria da Resposta ao Item. Para ela, quem acerta as questões mais difíceis, provavelmente, acertará as mais fáceis. Se isso não ocorre, é encarado como chute, e o peso dado ao acerto é menor.
Entre 2010 e 2016, no cenário nacional, houve aumento da participação de negros e diminuição dos inscritos brancos. De 2016 a 2019, foi observada estabilização. No mesmo período, entretanto, a participação negra decresceu consideravelmente em algumas regiões, principalmente no Sul e no Sudeste. Esta última teve a maior diferença de desempenho entre brancos e negros.
Por outro lado, o Norte se destaca pela constância na inclusão de negros no exame e pela menor diferença de performance entre raças.
Para Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, a sobrerrepresentação negra no período analisado pode ser explicada pelo aumento nas autodeclarações por processo de conscientização e valorização racial, além da possibilidade de usufruto da política de cotas.
No entanto, as autodeclarações também podem, segundo a pesquisa, ser fator a proporcionar distanciamento entre pardos e negros. Entre 2010 e 2016, cerca de um quinto dos inscritos alterou sua declaração racial em anos subsequentes, especialmente de branco para pardo.
"A população negra é, em geral, mais pobre e frequenta escolas públicas. Caso não haja preparação adequada na rede pública, elas chegarão em desvantagem para o exame", diz França. "O estudo é importante para mostrar que não adianta olharmos somente para o ensino superior. Temos que investir na base."
Essa é também a explicação para Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) e membro do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ele diz que, como a educação pública é precarizada, o aprendizado ainda é muito vinculado às condições familiares.
"Devido ao racismo estrutural, as oportunidades educacionais são assustadoramente desiguais. Escolaridade e condição financeira dos pais resulta em assimetria de aprendizagem. O livro, por exemplo, é um artigo de luxo para famílias pobres", afirma Cara.
O levantamento ainda analisou o rendimento nas provas de linguagens e matemática. Em ambas, brancos têm melhor média. No entanto, a prova de linguagens apresenta menor diferença racial em relação à de matemática. No quesito, Sudeste é novamente a região mais desigual e Norte a menos.
Frei Davi Santos, presidente da Educafro, diz serem os resultados do estudo um revoltante retrato do descaso do poder público em relação à juventude negra. Ele afirma que muitos alunos ficam dois ou três anos sem aulas de física, química e biologia nas escolas estaduais, e os Ministérios Públicos de cada estado têm consciência da situação.
"Como não são seus filhos, pois estes estão em escolas particulares, eles [promotores] não fazem a averiguação com seriedade, deixando o Estado humilhar o povo afro-brasileiro", continua.
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