SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A pressão sobre territórios indígenas pode levar ao desmatamento de 23 milhões a 55 milhões de hectares de vegetação nativa, caso a tese do marco temporal seja aprovada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que inicia o julgamento da matéria nesta quarta-feira (7).
A estimativa foi feita pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), em nota técnica que calcula o desmatamento a que terras indígenas homologadas após 1988 estarão sujeitas, caso o marco temporal seja aprovado.
O desmatamento estimado deve emitir de 7,6 bilhões a 18,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, o que equivale a um período de 5 e 14 anos das emissões totais do Brasil, segundo a ONG, dedicada a pesquisas científicas na área ambiental.
"Nossa expectativa é de que com as mudanças na legislação e nos processos de demarcação e homologação, as terras indígenas cairão num limbo que resultará em aumento da pressão por invasão ilegal por grileiros, atualmente já em curso e numa avalanche de desmatamento."
O 'limbo' esperado pelo Ipam derivaria da fragilização da segurança jurídica sobre as terras indígenas homologadas após 1988, cuja demarcação poderá ser questionada na Justiça caso a tese jurídica do marco temporal seja aprovada pelo STF ou, ainda, pelo Congresso Nacional, onde tramita o PL 490/07, sobre o mesmo tema.
A tese jurídica do marco temporal propõe a data de 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal, como limite para o reconhecimento de terras indígenas. De 88 para cá, 385 territórios indígenas foram homologados na Amazônia Legal - que abrange trechos dos biomas cerrado e pantanal.
O estudo estima dois cenários: grave e muito grave. No primeiro, os pesquisadores usam como referência o desmate permitido pelo Código Florestal em propriedades rurais, que é de 20% dos terrenos no bioma amazônico e 50% para as áreas de cerrado e pantanal.
Caso as terras indígenas hoje homologadas percam o reconhecimento, o desmatamento legal nessas áreas somaria 23 milhões de hectares.
Já no cenário muito grave, os pesquisadores consideraram também o desmatamento ilegal, movido pela grilagem de terras, que levaria a um desmate de 50% em terras indígenas na Amazônia e 70% no caso do cerrado e do pantanal, somando 55 milhões de hectares desmatados.
Para além da perda de direitos indígenas, o estudo aponta que o impacto ambiental da abertura das terras pode afetar o restante do país e, em particular, o agronegócio, setor favorável ao marco temporal.
"O desmatamento progressivo e sem controle nestes territórios pode provocar um desequilíbrio no clima, aproximando a região do tão falado ponto de não retorno, gerando escassez de água, ameaçando a produtividade da agropecuária e geração de energia", afirma a nota técnica.
"Os impactos na agricultura, pecuária e geração de energia poderão ser particularmente relevantes. Efeitos das mudanças climáticas em curso já afetam a produção em 28% das áreas agrícolas de soja e milho no centro-oeste brasileiro", completa.
Para evitar os cenários estimados, o estudo recomenda o fortalecimento da Funai e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o avanço na demarcação de todas as terras indígenas.
Os pesquisadores também sugerem que parte da destinação de florestas públicas seja feita para os povos indígenas que já ocupam essas áreas.
Outra medida imediata sugerida pelos pesquisadores é o combate a atividades ilegais em terras indígenas, "que além de gerar impactos ambientais e climáticos têm elevado o grau de insegurança para os povos que lá vivem". A nota técnica também alerta para a necessidade de cuidado especial com os territórios onde vivem povos indígenas isolados.
A última recomendação do estudo é de caráter científico. "Mais pesquisas para compreender a interdependência dos regimes de chuva que irriga a agricultura e a cobertura florestal", diz a nota, que também cita o benefício da vegetação conservada nas terras indígenas para a produção agrícola do país.
"É preciso entender que respeitar os direitos originários é essencial para todos. Povos indígenas são as raízes da nossa sociedade e seus conhecimentos tradicionais são a base para mantermos o clima equilibrado. Diversos países e cientistas já reconhecem essa importância, agora o Brasil precisa fazer seu dever de casa", acrescentou Martha Fellows, coordenadora do núcleo de estudos indígenas do Ipam.
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