SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O homem que filmou a ação de policiais militares que amarraram os pés e as mãos de um homem negro detido acusado de roubar produtos em um supermercado em São Paulo diz que foi intimidado pelos agentes para ir à delegacia.
O caso ocorreu no domingo (9). No vídeo, o acusado, um homem negro de 32 anos, aparece sendo arrastado e carregado pelos policiais, colocado em uma maca e depois na parte de trás de uma viatura.
As cenas foram registradas em uma UPA (unidade de pronto-atendimento) da Vila Mariana. O homem que presenciou a cena, e que pediu que seu nome não fosse divulgado, diz à reportagem que estava no local quando percebeu uma movimentação estranha na triagem.
"Eu ouvi uns gritos [de dentro do consultório] e havia um policial parado do lado de fora. Quando os policiais tiraram o rapaz, de maneira bruta, arrastando [o suspeito], eu fiquei horrorizado", conta.
"A UPA estava lotada. As pessoas olharam e ignoraram, mas a minha primeira reação foi gravar", segue ele.
Segundo o homem, assim que um dos agentes da PM percebeu que a cena estava sendo registrada, o oficial teria ido em sua direção e pedido seus documento. Ele diz que questionou o policial sobre a forma como o suspeito estava sendo tratado.
"Ele perguntou se eu era formado em segurança pública. Se não fosse, não poderia dar palpite. E depois ainda disse: 'Você não sabe o que aconteceu. Fica no seu lugar'."
O homem conta que voltou a se sentar. Já o agente, segundo ele, fez uma ligação. "Quando ele terminou de falar [no celular], veio até mim, com outro policial, e falou: 'Como você fez a gravação, você será levado para o DP [Distrito Policial] para prestar depoimento. Você é testemunha", relembra.
O homem afirma que manifestou que não queria ir à delegacia, mas alega que teria sido intimidado pelo PM. "O policial disse: Você vai, sim, por bem ou por mal".
Ele, então, concordou. "Nesse momento, ele [PM] fez um sinal discreto para o outro e os dois ligaram a câmera do uniforme. Até então, estavam desligadas. Primeiro, ele me reprime. Depois, liga a câmera."
O homem diz que foi levado à delegado em outra viatura do acusado, onde chegou por volta da 1h. Ele afirma que só foi embora do local por volta das 5h de segunda (10), após prestar depoimento ao delegado.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) diz que o homem "foi convidado a comparecer à delegacia para apresentar o vídeo e testemunhar sobre a ação".
O CASO
Como mostrou a Folha de S.Paulo, policiais militares envolvidos no caso disseram que amarraram o suspeito porque ele teria resistido à abordagem e os ameaçado. A informação consta no boletim de ocorrência registrado no 27° DP (Campo Belo).
Conforme a versão dos policiais, eles patrulhavam a avenida Conselheiro Rodrigues Alves por volta das 23h50 de domingo (4) quando foram parados por uma mulher que indicou uma movimentação estranha em um mercado naquela via.
No estabelecimento, um funcionário relatou aos PMs que pessoas haviam entrado na loja e realizado um "arrastão", levando diversos produtos.
Os policiais deixaram o local e, metros à frente, na rua Morgado de Mateus, encontraram um homem de 32 anos com duas caixas de bombons, cada uma delas no valor de R$ 15.
Ainda segundo os PMs, o homem confessou o furto no mercado. Os policiais então deram ordem para que o suspeito se sentasse, mas foram ignorados. Os agentes disseram ainda que o homem estava bastante alterado e que foi necessário pedir reforço, totalizando quatro homens para segurá-lo.
Os policiais relatam que o suspeito ofereceu resistência mesmo algemado e que por isso foi necessário usar uma corda para amarrar seus pés.
Imobilizado, o suspeito foi conduzido pelos policiais à UPA Vila Mariana.
Em nota, a Polícia Militar lamentou o episódio e afirmou que a conduta dos policiais não é compatível com o treinamento e valores da instituição.
Foi instaurado um inquérito para apurar o ocorrido e os policiais foram afastados preventivamente das atividades operacionais. "As ações estão em desacordo com os procedimentos operacionais padrão da instituição", diz a nota.
O ouvidor das polícias, Claudinho Silva, disse à Folha de S.Paulo que vai pedir uma apuração rigorosa por parte da Corregedoria. Imagens das câmeras de monitoramento da UPA também foram solicitadas.
"A gente não pode naturalizar esse tipo de tratamento. Aquilo é tortura, não é abordagem policial", afirmou.
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