SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - O mais abrangente estudo feito até hoje sobre o desenvolvimento da fala entre bebês, do nascimento aos 2 anos de idade, revelou um paradoxo curioso ao comparar crianças do sexo masculino e feminino.

Ao que parece, ao longo do primeiro ano de vida, os meninos são os mais tagarelas, mas esse padrão se inverte nos meses seguintes, com as meninas assumindo a dianteira na produção de sons e das primeiras palavras.

Os dados do trabalho também reforçam a ideia de que membros da nossa espécie, em geral, já vêm "de fábrica" com uma capacidade quase irreprimível de produzir linguagem falada. Na maioria das vezes, os quase 6.000 bebês acompanhados pelos pesquisadores não estavam interagindo com outras pessoas quando emitiam suas vocalizações. Ou seja, "falavam" pelo simples prazer de falar.

Publicado na revista especializada iScience, o levantamento foi coordenado por David Kimbrough Oller, da Universidade de Memphis, no Tennessee (região sul dos EUA).

O pesquisador e seus colegas trabalharam com base em mais de 450 mil horas de gravações, captando os sons emitidos pelas crianças e seus familiares ao longo do dia todo. "Essa é a maior amostragem de qualquer estudo já conduzido sobre o desenvolvimento da linguagem, até onde sabemos", afirmou ele em comunicado oficial.

A massa de dados é tamanha que seria impossível analisá-la manualmente. Por isso, a equipe de Memphis desenvolveu um sistema que classificava de forma automática os sons emitidos pelos bebês. O objetivo era deixar de lado ruídos como choro, riso, tosse, arrotos e soluços, levando em conta apenas o que os especialistas chamam de protófonos, considerados precursores da fala.

A categoria de protófonos inclui o que costumamos chamar de balbucios -- o "bá-bá-bá" ou "tá-tá-tá" que lembram muito sílabas de palavras propriamente ditas -- e também outros sons orais menos definidos que parecem ser parte importante do processo de aprendizagem da linguagem falada.

O sistema automatizado junta tanto os protófonos quanto as primeiras palavras das crianças na mesma categoria.

A análise se subdivide ainda em três aspectos. O primeiro, a volubilidade, leva em conta simplesmente a disposição maior ou menor dos bebês para "falar", contando os protófonos que emitem ao longo do dia. O segundo aspecto é o de "turnos de conversação", que considera até que ponto as crianças balbuciam num intervalo de até 5 segundos após um adulto falar algo perto delas (mas não necessariamente se dirigindo a elas). Por fim, o estudo também contou quantas palavras os adultos diziam perto dos bebês, para investigar até que ponto esse estímulo está relacionado ao nível de "tagarelice" infantil.

A análise dos dados revelou que, no primeiro ano de vida, os bebês do sexo masculino emitiam 10% mais protófonos que os do sexo feminino, mas essa vantagem se invertia ao longo do segundo ano de vida, quando as meninas passavam a produzir 7% mais sons típicos da fala.

O padrão se repete no quesito "turnos de fala", com meninos, de início, mais tagarelas depois que adultos falam, e uma inversão disso conforme os bebês vão ficando mais velhos. Tudo indica que não se trata de uma influência do estímulo dos adultos: desde o nascimento, os pais e parentes conversam mais com as meninas do que com os meninos.

Os dados são relativamente surpreendentes porque uma série de estudos com crianças e adultos indica uma ligeira vantagem média feminina na desenvoltura linguística ao longo da vida, embora isso varie muito de acordo com as circunstâncias exatas da conversa e outros fatores.

Segundo os pesquisadores, uma hipótese possível, baseada na teoria da evolução, seria a de um elo com a mortalidade mais elevada de meninos, em especial até um ano de idade. De fato, assim como mulheres adultas tendem a viver mais, bebês do sexo feminino também costumam ter mortalidade mais baixa.

"Achamos que, como os meninos são mais vulneráveis no primeiro ano de vida, eles podem estar sob mais pressão seletiva para produzir sinais vocais", sugere Oller. Isso aumentaria, por exemplo, as chances de receber cuidados mais intensos por parte dos pais, melhorando as chances de um crescimento saudável para os meninos. Ainda não há meios de corroborar diretamente essa hipótese, no entanto.


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