O governo federal quer valorizar as histórias, as memórias, os patrimônios e a diversidade de povos, grupos e movimentos socioculturais de todas as partes do Brasil. Para isso, o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), do Ministério da Cultura (MinC), lançou, nesta terça-feira (13), em Brasília, o Prêmio Pontos de Memória 2023 - edição Helena Quadros.
A iniciativa vai distribuir R$ 1,6 milhão, em 40 prêmios de R$ 40 mil cada, e é voltado a entidades e coletivos culturais que já contribuem com a identificação, registro, pesquisa e promoção do patrimônio material e imaterial desses grupos. As inscrições ficarão abertas de 20 de junho a 7 de agosto.
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, ressaltou que é importante reconstruir a história do Brasil, a partir da ótica de quem a vive. A ministra reconheceu o trabalho de quem se dedica a registrar “o fazer” e “o viver” dessas comunidades. “Após quase 10 anos sem editais para os Pontos de Memória, o Ministério da Cultura retoma essa importante iniciativa, com resgate da cultura e da memória. Assim como temos direito à cultura, assegurado na Constituição Federal, o povo brasileiro tem direito também à memória, em suas diferentes linguagens, a partir da ideia da participação social, com respeito à identidade, ao território e às memórias invisibilizadas”.
A presidente do Ibram, Fernanda Castro, valorizou o papel dos “fazedores de memórias”. E os agradeceu “por se fazerem presentes em todas as regiões do Brasil por meio da parceria, colaboração e luta que os pontos de memória representam”.
“Nos duros seis anos de desmonte cultural, vocês foram resistência e alento para todos nós. Agora, de resistência, seremos existência! Queremos que vocês sejam os protagonistas na nossa gestão compartilhada. Sem vocês, não temos como seguir adiante”, disse a presidente do Ibram.
Certificação
Para participar do Prêmio Pontos de Memória 2023 - Edição Helena Quadros é necessário que as entidades e coletivos interessados obtenham, até 20 de junho, a certificação de Ponto de Memória, concedida pelo Ibram. A solicitação deve ser feita online. O Ibram considera que o reconhecimento e o ingresso no Cadastro Nacional de Pontos de Memória podem servir para conseguir futuros apoios e parcerias.
Podem requerer a certificação as entidades ou coletivos culturais que desenvolvam programas, projetos e ações relacionadas à cultura, educação, museologia social, com a valorização do patrimônio cultural e das memórias dessas comunidades.
A presidente do Ibram, Fernanda Castro, revela que, somente no último mês, mais 70 pontos de memória foram reconhecidos. “Como os da cultura hip-hop, quilombolas, indígenas, educação museal, reservas extrativistas, de rede de pontos de cultura e memória rurais, enfim, um universo diverso e colorido de iniciativas populares sobre museus, memória e cultura viva”.
Falas
Nesta terça-feira, durante o lançamento do edital do Prêmio Pontos de Memória de 2023, na sede do MinC, foram entregues novos certificados que reconhecem 44 pontos de memória (lista em anexo, no e-mail). A cerimônia foi recheada de apresentações culturais e falas dos representantes desses Pontos de Memória.
Mãe Baiana do Ilê Axé Oya Bagan, que participa do movimento social de combate ao racismo religioso no Distrito Federal, contou aos presentes sobre a resiliência após o incêndio que destruiu o terreiro de candomblé no Paranoá, em 2015. “Naquela época, tirei várias peças sagradas para um dia pensar em fazer um museu. E esse dia chegou, junto com o ponto de memória e de cultura, que está aberto à visitação”. Mãe Baiana considera o ato como criminoso, apesar da Polícia Civil do Distrito Federal descartar, em 2016, a motivação por intolerância religiosa.
O musicista Rafa Rrafuagi, do Rio Grande do Sul, colocou a plateia para cantar em homenagem ao Cinquentenário Mundial da Cultura Hip Hop e convocou todos a espalhar as chamadas tecnologias sociais. “A tarefa de cada um que está aqui hoje é multiplicar [esse prêmio] e levá-lo para cada quebradinha do extremo do seu estado. Através disso, a gente pode fazer com que os pontos de memória possam se auto reconhecer”, convocou.
Em sua fala, o líder comunitário do Quilombo do Grotão, de Niterói (RJ), José Renato Gomes da Costa, defendeu o legado de resistência e luta do povo negro no Brasil. “Participo do maior movimento que celebra o nosso povo no país que, nós, negros, fizemos na força escrava. Um país em que, até hoje, os negros ainda não conseguiram participar de forma justa e igualitária na sociedade brasileira. O povo negro merece muito mais. A história tem quer ser contada como realmente aconteceu, com a injustiça que fizeram com os negros”.
Já a articuladora Ayanami Gonçalves, de Recife, celebrou a visibilidade de mulheres transexuais negras, travestis e de homens gays negros, dentro da cultura de baile do Ballroom, movimento político e de entretenimento que destaca a diversidade de gênero, sexualidade e raça. “Desde 2016, no Recife, eu e minhas colegas, minhas parceiras de luta, encabeçamos esse movimento, levando a cultura Ballroom a espaços públicos e fazendo acontecer. Estamos aqui, como ponto de memória, para resgatar a memória dos nossos ancestrais”.
Homenagem
O Prêmio Pontos de Memória homenageia este ano a doutora em Educação do Pará Helena do Socorro Alves Quadros, vítima da pandemia da covid-19, em 2021.
A educadora fundou o Ponto de Memória da Terra Firme, em Belém, um dos pioneiros no Brasil que preservam a memória de comunidades que não puderam expor seus valores sociais e culturais.
No local, Helena contribuiu para reunir fotografias, entrevistas, contos, lendas e objetos que contam a história da comunidade do bairro da Terra Firme.
Helena Quadros também foi lembrada pela atuação no setor educativo do Museu Paraense Emílio Goeldi, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
A filha da homenageada, Camila Quadros, emocionada, falou sobre o legado da mãe, que entendia os museus como espaços abertos. “Helena foi uma pessoa extremamente atuante na museologia comunitária e social. A ideia era que ninguém ficasse excluído dos museus, que todo mundo pudesse ter se acesso a um museu. Ela pensou no ingresso comunitário e daí as coisas foram se desenvolvendo, criando vários projetos”.
“Minha mãe, realmente, gostava do que fazia: atuar na academia, com a universidade, mas, também atuava em centros comunitários, dentro do Museu Goeldi. Ela não parava”, relembra a jovem Camila Quadros sobre a mãe que trabalhava com vários públicos.
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