MANAUS, AM (FOLHAPRESS) - O impacto da usina hidrelétrica de Belo Monte à pesca no rio Xingu, no Pará, pode ser o triplo do admitido pela empresa responsável pelo empreendimento.

A Norte Energia, a quem cabe a operação da usina, enviou um documento ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) em que informa ter recebido 3.909 pedidos adicionais de reparação por parte de pescadores da região. O ofício é de março de 2023.

Até então, a operadora de Belo Monte havia se comprometido a pagar uma reparação de R$ 20 mil a 1.976 pescadores.

A empresa passou a fazer o que chama de estudos de caso, com análises que incluem até um questionário "contendo questões e aspectos culturais da pesca local". Se os pedidos forem validados, o número de pescadores com direito a reparação chegará a 5.885.

O pagamento de reparação a milhares de trabalhadores que ficaram sem ter o que pescar no rio Xingu, com o início do funcionamento da usina, foi uma recomendação do Ibama no curso do processo que analisa o pedido para renovação da licença de operação da hidrelétrica.

Belo Monte funciona com uma licença com prazo de validade vencido desde 25 de novembro de 2021 -há um ano e meio, portanto.

A decisão do Ibama será a segunda na gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a provocar embates entre grupos contrários e favoráveis a grandes empreendimentos na Amazônia, inclusive dentro do governo.

A primeira foi a decisão do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, de negar pedido feito pela Petrobras para perfurar a bacia da foz do rio Amazonas com propósito de explorar petróleo na região.

Ele seguiu parecer da área técnica. A decisão foi proferida e tornada pública em maio.

A Petrobras insiste na exploração de petróleo na bacia. O poço almejado pela estatal está a 179 km da costa do Amapá e a 500 km da foz do rio Amazonas. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, passou a sofrer pressão política desde a tomada da decisão, que classificou como técnica.

Agora, o Ibama terá de decidir se renova ou não a licença de operação de Belo Monte, mesmo com um passivo de pescadores reivindicando reparação em dinheiro em razão da diminuição expressiva de peixes, em especial na Volta Grande do Xingu.

Em nota, a Norte Energia disse ter cadastrado novos pescadores, para estudos de caso, até 31 de maio. A empresa não informou quantos cadastros foram feitos. "A companhia iniciará as análises conforme os critérios estabelecidos pelo Ibama", afirmou.

Dos 1.976 pescadores cadastrados entre 2017 e 2019 e identificados como impactados pelo empreendimento, 1.405 já receberam a verba de reparação, segundo a Norte Energia. O restante deve procurar a empresa para ser ressarcido.

"A companhia mantém seu respeito e permanente diálogo com toda a categoria e vem agendando reuniões com representantes do grupo para discussão e análises das ações em execução", disse na nota.

Sobre a licença de operação, a Norte Energia afirmou que a autorização segue válida até decisão do Ibama, que tem "prerrogativas" para a análise da renovação e para a definição de um prazo sobre isso, conforme a empresa.

O Ibama não respondeu aos questionamentos da reportagem.

As licenças para Belo Monte foram viabilizadas no segundo mandato de Lula e nos governos de Dilma Rousseff (PT), quando ocorreram as obras. No primeiro ano de mandato, 2019, o governo Jair Bolsonaro (PL) concluiu as unidades geradoras e inaugurou o conjunto completo.

Colônias de pescadores enviaram ofícios ao Ibama, ao longo do primeiro semestre de 2023, pedindo que o órgão não faça uma renovação automática da licença de operação, "até que se equacionem os impactos ambientais não tratados pela Norte Energia".

Entre essas colônias estão de pescadores de Senador José Porfírio, Porto de Moz e Gurupá, no Pará.

"Na busca de seus direitos às indenizações pelos impactos sobre seus meios de vida e subsistência, as colônias, sem perspectiva de ver as reparações devidas pela via negocial, movem ações judiciais perante a Justiça Federal em Altamira (PA)", afirma um ofício endereçado em abril ao presidente do Ibama.

"É evidente que as comunidades abaixo de Senador José Porfírio sofrem impactos na atividade pesqueira, base de sua economia e do sustento de seus modos de vida", cita o documento.

Já o Fase (Fórum das Associações do Setor Elétrico), também em carta enviada a Agostinho, afirmou que Belo Monte tem capacidade para atender 53 milhões de consumidores -um quarto da população brasileira- e desempenha "papel preponderante na segurança energética".

A usina chegou a gerar em média, segundo as associações, 13% de toda a energia elétrica consumida no Brasil.

O fórum defende a renovação da licença de operação da hidrelétrica: "Os signatários desta carta confiam que os representantes do governo e de órgãos governamentais tenham sensibilidade para buscar o equilíbrio da permanência da usina com o meio ambiente e levem em conta, nos processos decisórios, os termos aqui expostos." Dezessete associações são citadas no ofício.

Ao Ibama, em março, a Norte Energia disse ter feito 5.244 atendimentos desde janeiro, dos quais 1.335 se referiam a termos de quitação assinados com pescadores e 3.909 a solicitações de estudos de caso por outros pescadores.

Entre os pagamentos já efetuados, foram contemplados, até aquele momento, 875 pessoas, assim distribuídas: Altamira (601), Vitória do Xingu (162), Senador José Porfírio (103) e Anapu (9).

A autodeclaração como pescador não é suficiente para uma reparação, segundo a Norte Energia. É preciso apresentar testumunhas, carteira de pescador ativa e comprovação documental do exercício do ofício.

O Ibama analisa se a Norte Energia cumpre as condições estabelecidas para a emissão da licença de operação da usina. O órgão federal apontou desrespeito de algumas condições, como a adoção de medidas de mitigação dos efeitos do represamento, da formação de reservatórios e do controle da vazão de água na vida dos pescadores.

Em razão das falhas na mitigação por dois anos e dois meses, a Norte Energia deve promover reparação em dinheiro aos pescadores, concluiu o Ibama.

Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo em 8 de outubro de 2022 mostrou que pescadores já não têm peixes em quantidades suficientes; pescados desapareceram das dietas de ribeirinhos e indígenas; piracemas -os processos de reprodução dos peixes- deixaram de ocorrer; e a água liberada pela usina é insuficiente até mesmo para a navegabilidade de ribeirinhos.

Na composição acionária da Norte Energia estão Eletrobras, Petros, Funcef, Neoenergia, Vale, Sinobras, Light, Cemig e J. Malucelli Energia.


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