MANAUS, AM (FOLHAPRESS) - A Justiça Federal no Amazonas determinou que o governo Lula (PT) providencie o envio de servidores à região do médio rio Negro diante do quadro de insegurança alimentar e do risco de morte de indígenas yanomamis que fazem longas jornadas até cidades como Barcelos (AM) em busca de benefícios sociais.

Na decisão cautelar, proferida na tarde desta segunda (19), a juíza federal Jaiza Maria Fraxe deu um prazo de 48 horas para o governo comprovar a adoção de medidas junto a órgãos municipais e estaduais de modo a reduzir a "vulnerabilidade atual" dos yanomamis que procuram Barcelos para fazer cadastros ou sacar benefícios como aposentadorias e Bolsa Família.

A decisão se estende a outros povos indígenas em condições similares na região.

A reportagem questionou a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) sobre a decisão da Justiça, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

O governo deve atuar para evitar a fome dos indígenas, garantir a solução imediata das demandas na cidade e assegurar apoio logístico nas aldeias, conforme a juíza. A decisão atende a pedido do MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas, apresentado à Justiça na última quinta (15).

"O que se avizinha é a alta probabilidade de insegurança alimentar, acidentes, doenças, desnutrição e mortes em razão da hipervulnerabilidade em que [os indígenas] se encontram fora das aldeias para tentar recebimento de auxílios)", disse Fraxe.

"O quadro de provável genocídio recente com o povo yanomami é fato público e notório e independe de mais registros nos autos", completou.

Na petição à Justiça, o procurador Fernando Merloto Soave também pede que Funai, Caixa Econômica Federal e INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) sejam condenados pela Justiça para adequação das políticas públicas referentes a benefícios sociais. O MPF já havia movido ação civil pública nesse sentido.

Centenas de yanomamis se deslocam a Barcelos todos os meses para cadastro e saques de benefícios. As jornadas podem durar até nove dias, pois as viagens são feitas em embarcações com motores de baixíssima potência. Grupos de indígenas fazem paradas ao longo do percurso, no curso do rio Negro, para alimentação e descanso. Eles também ficam alojados na cidade.

Vídeos encaminhados ao MPF no Amazonas, com registro de destruição de barracas por um temporal -que feriu crianças yanomamis-, embasaram o pedido apresentado à Justiça.

A Procuradoria quer que o acesso a benefícios e aposentadorias ocorra diretamente nas comunidades, sem a necessidade dos longos deslocamentos. E que os indígenas sejam consultados, dentro do que prevê a convenção número 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

A realidade cultural diferenciada de povos indígenas de recente contato deve ser levada em conta pelos órgãos públicos, "contemplando a urgência na adoção das medidas necessárias em face da grave vulnerabilidade atual", afirmou o MPF na petição.

O problema se estende a outros povos indígenas no estado, conforme o MPF, como hupdahs, yuhupdehs, madiha kulinas e pirahãs.

A Procuradoria também apontou "uma ausência completa de coordenação e de entendimento entre a própria área que realiza a defesa jurídica do órgão indigenista oficial e a área executiva".

No último dia 12, a Funai pediu a extinção do processo sobre adequação dos benefícios, enquanto técnicos seguem fazendo reuniões mensais para tentar uma articulação entre União, estado e município que evite os deslocamentos forçados dos yanomamis até Barcelos.

"Enquanto isso, os povos indígenas e tradicionais permanecem vulneráveis às políticas públicas desenvolvidas sem respeito à cultura e tradições", disse o MPF.

Em janeiro, o governo Lula declarou estado de emergência em saúde na terra yanomami em razão da explosão de casos de malária e de doenças associadas à fome -como desnutrição grave, diarreia aguda e pneumonia- entre os indígenas no lado de Roraima. O problema foi causado pela invasão de mais de 20 mil garimpeiros, estimulados pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

EXPLORAÇÃO DE PIAÇABA

O fluxo de centenas de yanomamis a núcleos urbanos é agravado pelos deslocamentos desses indígenas para exploração na extração da piaçaba, fibra de palmeira usada largamente na fabricação de vassouras, como a Folha de S.Paulo mostrou em série de reportagens publicadas em maio.

O modelo rudimentar a que são submetidos endivida os trabalhadores, incluídos yanomamis que vivem em aldeias da terra indígena situadas no lado do Amazonas. O território se estende por Roraima, onde estão 17 mil indígenas. No Amazonas, são 10,3 mil.

O apagão da Funai na região -iniciado em 2018 no governo Michel Temer (MDB), agravado nos anos de Bolsonaro e mantido nos primeiros meses da gestão de Lula- resultou em um avanço da presença de indígenas na extração da piaçaba.

O órgão na cidade tem apenas um servidor efetivo e um terceirizado. A coordenação é feita por um substituto, que se desloca periodicamente de São Gabriel da Cachoeira (AM) para o município. A fiscalização na região dos piaçabais é praticamente inexistente.


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