“Os imigrantes vivem em um terceiro mundo desse espaço/tempo. Não são de lá de onde vêm, nem são de onde estão”. Foi com essa frase que o escritor e professor Jung Mo Sung (foto), da Universidade Metodista de São Paulo, resumiu sua história de imigração à Agência Brasil. Segundo ele, essa realidade é comum a todas as pessoas que saem de seus lugares de origem para viver em uma nova região. Neste domingo (25), data em que se celebra o Dia do Imigrante, o professor diz que estar nessa condição é viver sempre como um estrangeiro.
Jung Mo Sung deixou a Coreia do Sul em 1966, quando tinha 8 anos de idade. Ele faz parte do segundo grupo de coreanos que chegou oficialmente ao Brasil. O primeiro, formado por 109 pessoas, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, chegou em fevereiro de 1963, há exatos 60 anos. Já ele saiu de Busan, em um navio, e chegou em território brasileiro em 1966, junto com a mãe e seus três irmãos.
Nesse navio havia dezenas de famílias coreanas que tinham como destino o Brasil, a Argentina e o Paraguai. Só aqui no país, segundo ele, desembarcaram 53 famílias. “Eu tinha 8 anos quando eu cheguei aqui, em 1966. Sou do segundo grupo de coreanos que chegaram. O primeiro foi em 63. Tinha um grupo pequeno em 63 e daí, em 66, veio a segunda turma”, explicou.
A viagem durou longos 57 dias, em um navio que também era de carga. “Saímos de Busan, segunda cidade mais importante da Coreia do Sul, e chegamos a Paranaguá. Antes, o navio havia feito a primeira descida no Rio de Janeiro e, depois, em Santos. O navio era misto, de carga e de passageiros”, contou.
Dessa longa jornada, ele se recorda principalmente das brincadeiras com outras crianças e de um horizonte que nunca chegava.
“Isso me marcou muito. Teve uma passagem de 17 dias sem ver terra, que acho que foi das Filipinas até a África do Sul. Essa foi uma experiência muito marcante para mim. A gente via baleias e também peixe-voador”, lembrou.
Do Porto de Paranaguá, no Paraná, esses imigrantes coreanos que chegaram ao Brasil em 1966 seguiram para a cidade de Castro, onde foram alojados em um quartel do Exército. “Nós ficamos na colônia um ano só, porque a colônia era muito ruim, a terra era muito ruim. Enquanto a colônia não ficou pronta, nós ficamos um tempo no quartel de Castro e aí, depois, fui morar em Ponta Grossa para aprender português, na escola. Fui morar com uma família de brasileiros, de tradição italiana. E aí ficamos um ano: meu pai conseguiu emprego na prefeitura de Apucarana, no norte do Paraná, e fomos para lá. E, depois de dois anos, nós viemos para São Paulo. Em São Paulo, meu pai resolveu morar em bairros onde não tivessem coreanos para aprender rapidamente o português. Não tive muito contato com coreanos”, contou.
Já a médica Hee J. Hong, chamada de Beth por aqui, chegou ao Brasil em 1969, com 3 anos de idade. Sua mãe era produtora e apresentadora de um programa infantil na KBS (um canal de televisão da Coreia do Sul) e seu pai era técnico na mesma empresa. Eles deixaram Seul de avião, com a promessa de chegar ao Brasil e “trabalhar junto com uma tia que comercializava perucas na época”.
"Possivelmente, minha família tenha sido uma das primeiras a chegarem ao Brasil via aérea", contou a médica.
No entanto, a ideia inicial de sua família não funcionou e o pai decidiu abrir uma loja para reparo de equipamentos eletrônicos.
Jung Mo Sung e Hee Hong são dois exemplos dos mais de 50 mil coreanos que se estima viverem atualmente no Brasil. A maioria deles, como o professor e a médica, mora em São Paulo. Segundo dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), o Brasil recebe, somente neste ano, 265 imigrantes coreanos. Desse total, 215 se estabeleceram em São Paulo. Em todo o ano passado, o Brasil recebeu 719 imigrantes coreanos, dos quais 555 escolheram o estado de São Paulo como local de destino.
A Coreia
A Coreia que o professor Jung Mo Sung havia deixado para trás era um país na época bastante pobre, vivendo uma crise econômica e uma ditadura militar. “Com a crise econômica, meu pai falou: ‘vamos tentar outra vida’. Ele tinha uma vida de classe média na Coreia, mas havia uma tensão política muito grande lá por causa da ditadura. Então meu pai falou: ‘vamos cair fora daqui'’’. E foi assim que o pai dele, que era engenheiro-arquiteto, veio antes ao Brasil, em um avião, para trabalhar na construção de casas para uma colônia coreana no Paraná. Ele, a mãe e os irmãos vieram depois, de navio.
“A data comemorativa de 60 anos faz menção ao primeiro grupo de migrantes coreanos que chegaram de maneira oficial, ou seja, de uma migração que foi incentivada pelo governo coreano e que passou por negociações bilaterais entre Brasil e Coreia. Então, no ano de 1963 chegaram 103 pessoas [na contagem do Museu da Imigração seriam 103 pessoas, não 109, como diz o ministério] em famílias e indivíduos. Eles partiram da Coreia do Sul no dia 18 de dezembro de 1962 e viajaram por 54 dias”, explicou Thiago Haruo, gestor de Pesquisa do Museu da Imigração, em entrevista à Agência Brasil.
“A década de 60 era o período do pós-guerra para eles, em que estavam lidando com as consequências da guerra da Coreia, que devastou o país. Então você tinha um cenário de um país empobrecido. E isso a gente pode identificar em várias falas de migrantes que gravaram entrevistas aqui com a gente [do Museu da Imigração]. Ao mesmo tempo, o Brasil estava em seu contexto de reabertura da imigração internacional no pós-guerra”, acrescentou Haruo.
Esses migrantes coreanos eram em geral da classe média, ressaltou Haruo. “Normalmente não são nem as pessoas mais pobres que migram porque elas não têm recursos, nem as pessoas mais ricas. Então são as pessoas de classe média que, de alguma forma, conseguem os recursos. No cenário de guerra ali na década de 60, muitas pessoas que tinham um ensino médio, uma escolaridade razoavelmente alta, migraram.”
Os coreanos que chegaram ao Brasil em 1963, contou Haruo, desembarcaram no Porto de Santos e subiram, de ônibus, para a então Hospedaria de Imigrantes, local onde hoje está localizado o Museu da Imigração, na capital paulista, e que era um local de passagem para os estrangeiros que chegavam ao país. “Eles vieram para a Hospedaria para esperar porque eles iriam pra uma cidade chamada Miracatu, a 140 quilômetros da cidade de São Paulo, local onde supostamente eles iriam conseguir comprar uma terra para poder trabalhar. Essa espera virou um drama porque o terreno não era o que tinha sido prometido: as condições do terreno não estavam agricultáveis e, além de tudo, tinha uma ocupação de outras pessoas já trabalhando nesse terreno e esses imigrantes não sabiam. Houve uma fraude. Posteriormente eles decidiram por não prosseguir com a compra dessas terras”, explicou Thiago Haruo.
Com essa “mudança” forçada nos planos, os primeiros coreanos que chegaram de forma oficial ao Brasil decidiram então se dedicar ao comércio. E foi assim que eles se firmaram principalmente no Bom Retiro, no centro de São Paulo, bairro onde há muitas confecções. “Tem uma questão interessante que vem justamente no momento de mudança da migração [no Brasil]. A migração deixa de ser aquilo que era antes, que era um fator econômico para desenvolver as plantações e para desenvolver a economia cafeeira, para virar um problema social. Então esse é um grupo que chega bem nessa transição”, contou o gestor do museu.