CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - "Foi maravilhoso. As cachoeiras, as árvores, o céu, uma experiência única, que não acreditava viver novamente" conta a aposentada Dilma de Bastos, 76. Cadeirante, ela participou no último dia 22 da mais recente trilha inclusiva organizada por montanhistas voluntários de Curitiba.

O grupo usa sua experiência em escalada e sobrevivência na selva para levar pessoas com deficiência e outras condições até o topo das montanhas. Os percursos incluem trilhas, caminhadas e acampamentos em meio à mata Atlântica.

As atividades, que começaram em 2018, são tão procuradas que há lista de espera. Das cinco edições realizadas até maio deste ano, participaram três cadeirantes, uma pessoa com síndrome de Down e um deficiente visual.

"Nossa intenção é permitir a todos o contato com a natureza e a sensação única de estar lá em cima", explica Meyriane Gomes, do grupo "Amizades na Trilha".

O projeto "Trilha para Todos", criado por eles, começou antes da pandemia e foi retomado no ano passado. Já houve aventura nas montanhas, cachoeiras e praias. O passeio é gratuito para quem precisa deste apoio. Voluntários dão caronas e dividem as despesas.

Os participantes selecionados de acordo com o grau de dificuldade do lugar.

"Eles não precisam ficar limitados. Levá-los onde nunca imaginaram estar faz bem para eles e para nós. É uma lição de vida", diz o montanhista voluntário Eli Reis.

A estudante Katiane Thaiz, 22, que usa cadeira de rodas, foi a primeira com deficiência física a participar em novembro do "Inclusão e Aventura", outro grupo da região metropolitana de Curitiba.

"Estar lá, no topo, é mostrar que é possível. Sentir a sensação daquela vista, que eu só via por foto, não tem explicação", lembra ela. "Foi um dos dias mais marcantes da minha vida."

Para subir a Serra de Vista Alegre (SC), ela teve o auxílio de uma cadeira especial, adaptada para a aventura. Nela, foi carregada pelos voluntários até a parte mais alta.

A cadeira utilizada é chamada de Julietti. Ela foi doada ao grupo por Guilherme Cordeiro, que, ao lado da esposa, Juliana Tozzi, criou em São Paulo a ONG "Montanha para Todos", inspirando e doando o equipamento para grupos de todo país.

Idealizador do projeto no Paraná, Robson Roque conta que há uma conversa prévia com as famílias para entender cada história e adaptar o melhor trajeto e logística para o passeio, sempre priorizando a segurança.

A cadeira adaptada ?com custo aproximado de R$ 7.000? chama a atenção também de escolas, como a Apae de Curitiba, que já se interessou pelo projeto, solicitando a participação de alunos da instituição nas próximas escaladas.

"Se tivéssemos mais cadeiras, poderíamos levar mais gente. Buscamos a sensibilização do Estado, da prefeitura e de empresários, o que ainda não ocorreu", diz Roque.

ACAMPAMENTO INCLUSIVO

Sem a cadeira, voluntários do grupo "Friends Adventure", também da região de Curitiba, buscaram outras formas de inclusão na trilha.

Eles realizam acampamentos inclusivos em meio à natureza. No último encontro, participaram 40 pessoas, sendo 12 crianças e adolescentes, com diversas condições, e suas famílias.

O filho de Honória de Moura, Thiago, 9, que tem macrocefalia, foi um deles. Trilheira, a mãe o leva sempre que possível em suas caminhadas, mas desta vez foi diferente, conta ela, porque houve muita inclusão e contato com outras crianças.

"Foi uma experiência maravilhosa, única", relata Honória, destacando que crianças com medo até de subir escadas surpreenderam na escalada. "Thiago super curtiu, amou."

Participaram crianças e adolescentes com autismo, síndrome de Down e macrocefalia. A aventura foi no Morro do Cal, em Campo Largo (PR), e teve escalada, com auxílio de cordas, ganchos e até trator, pôr do sol, piquenique, brincadeiras e muita alegria.

Voluntária, Márcia Salzano afirma que a intenção é fazer um próximo acampamento em breve. "Inclusão é uma junção de vários grupos, precisa de preparo para trabalhar e entender as limitações de cada um, usando isso de forma positiva", ressalta.

O impacto positivo deste tipo de atividade é analisado pela psicóloga Maria Helena Keinert, especialista em TEA (transtorno de espectro autista). Autora de um livro a respeito, ela destaca que a escalada libera muita energia e, assim, ajuda a reduzir a ansiedade.

"O contato com a natureza favorece o desenvolvimento e ajuda na conexão consigo mesmo. Quando se gasta energia com coisas prazerosas, elas são canalizadas de forma muito positiva", aponta a psicóloga.

Ela percebe que muitas crianças com deficiências e outras condições costumam ficar reclusas, nas escolas especiais, nas clínicas e até em suas casas. Atividades como as trilhas, então, podem provocar uma interação maior.

"Todos podem se beneficiar deste encontro. Torço para que a iniciativa se espalhe para outras cidades e estados", diz Keinert.


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