"O mais velho chegou, T'ojú Labá pede agô, chama o povo pra ver o afoxé de Ogum Megê!" Este foi o canto entoado pelos integrantes negros do Afoxé Ogum Pá, na bênção ancestral que marcou a abertura do 16º Festival Latinidades Festival de Mulheres Negras, Latino-Americanas, do Caribe e Diáspora Negra, nesta quinta-feira (6), em Brasília. O cortejo espalhou água de cheiro pelo percurso, dentro do Museu Nacional da República, e fez a plateia dançar e orar. 

Em 2023, o lema é "Por um futuro que respeite a ancestralidade, a Mãe Terra e os direitos ancestrais de negros e indígenas". Nesta edição, pela primeira vez, o festival ocorrerá em quatro capitais: começa em Brasília e segue para o Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador entre 6 e 30 de julho. A iniciativa conta com o apoio da Empresa Brasil de Comunicação - EBC.

A Mãe Dora ty Oyá, líder de uma casa de candomblé no Distrito Federal, abriu os caminhos na cerimônia de instalação do evento e jogou água de cheiro em direção aos presentes até chegar ao palco. A baiana, que mora em Brasília desde a década de 1970, quis passar uma mensagem com o ritual. “Estamos falando de mulheres negras, do empoderamento de mulheres. Para a gente, é muito importante, interessante, prazeroso e bonito. O público ouviu uma percussão boa, uma pessoa com voz bonita e músicas maravilhosas que falam da nossa religiosidade, de nossas lutas, do nosso empoderamento”, destacou.

Grupo Afoxé Ogum Pá participou da abertura do Festival Latinidades 2023, em Brasília. Foto Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Oração

Representando os povos originários do continente americano, a liderança indígena do território Araribóia, Cíntia Guajajara, chamou os ancestrais em quatro cantos de oração. Descalça no palco do festival, empunhando um chocalho e enfeitada com adornos coloridos, Cíntia pediu proteção na reza.

A liderança relembrou que seus ancestrais já tinham conexão com o criador de todas as coisas. “Antes da chegada dos europeus, do catecismo, da chegada do evangelismo nas comunidades indígenas, os povos indígenas já tinham religião própria, já tinham forma de conectar com o criador, de pedir a proteção, de fazer as rezas. E aqui eu fiz e pedi bênçãos a vocês”, explicou. 

Criado em 2008, o festival faz parte do chamado Julho das Pretas, que comemora o Dia Internacional da Mulher Negra, Latina e Caribenha - 25 de julho. No Brasil, a data também homenageia a resistência da heroína negra Tereza de Benguela, liderança quilombola do Quariterê, localizado na fronteira entre Mato Grosso e Bolívia. Tereza de Benguela é considerada exemplo de força e de organização para mulheres que sobrevivem às sequelas da colonização europeia. 

O Festival Latinidades é realizado pelo Instituto Afro-Latinas. A diretora do evento, Jaqueline Fernandes, reivindicou o bem viver das mulheres negras, latinas e caribenhas. “Enquanto o bem viver não for para todas as pessoas, não é viável. O bem viver pressupõe equidade de gênero, raça, luta antirracista, a contraposição ao modelo exploratório da natureza e dos seres humanos. Também é uma cosmovisão indígena, que se encontra com pensamentos e com formulações de mulheres negras. Cada vez mais o festival toma a parte da América Latina para se contrapor a esse sistema capitalista exploratório e predatório”, assegurou. 

Em 2023, o festival homenageia Verônica Braga, popularmente conhecida como Vera Verônica, a primeira rapper do Distrito Federal. Em meio às comemorações dos 50 anos da cultura hip hop no mundo e 44 anos no Brasil, a artista ressalta que sua música é voz ativa contra o racismo e machismo há 31 anos. E que o Festival Latinidades ajuda a ecoar os manifestos.

“O Festival Latinidades surge na urgência de nós, mulheres negras, termos voz, de poder falar, consumir nossas roupas, nossos cabelos, nossa cultura, nossa alimentação. Esse festival traz a ancestralidadee a cultura de matriz africana. Hoje, o Festival Latinidades é referência mundial”, frisou. 

Contra o racismo

Na plateia do auditório do Museu da República formada, principalmente por mulheres, sentaram-se pessoas de diversas idades. A pedagoga e mestre em Educação, Janaína da Silva, levou ao  evento a filha mais velha, de 11 anos, Dandara Luana da Silva, e explica o motivo de, como mãe negra, educar os dois filhos contra o racismo.

“Infelizmente, como mãe negra, eu não ensino meus filhos somente sobre como escovar os dentes, como se comportar na sociedade e a importância dos estudos. Eu também tenho que ensinar como que eles vão identificar e também se proteger contra o racismo e preconceito. Na minha casa, a gente fala sobre a questão racial o tempo inteiro”, revela. 

A pedagoga destacou a importância de conhecer suas origens e de estar entre as pessoas que considera como suas. “Com respeito à ancestralidade, a gente tem que valorizar os que vieram antes porque eles abriram caminhos. A gente, agora, está perpetuando e continua lutando para que os resultados realmente apareçam efetivamente para a nossa população”, disse.  

A filha Dandara Luana compreende a mensagem repassada. “Pesquiso sobre a cultura negra com a minha família e na internet e eu acho isso muito importante,” relatou.

A angolana Petra Percheiro, que há sete anos mora no Brasil, foi ao festival com a filha brasileira de um ano e um mês e justificou: “Eu quero que ela tenha, desde pequena, o contato com o nosso povo, contato com as histórias, pois ela está aqui como ouvinte e observadora.” 

O Festival Latinidades 2023 segue até domingo, em Brasília. A programação completa está disponível no site. São debates, palestras, oficinas, vivências, painéis, conferências, lançamentos literários, rodada de negócios, desfiles e apresentações de dança, teatro e música. As inscrições para as atividades são gratuitas. 

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