SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Depois de sete anos na presidência da Embratur que culminaram em sua nomeação como ministro do Turismo, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o advogado Caio Luiz de Carvalho havia jurado que nunca mais voltaria a um cargo em governo algum.

Só que, em 2005, assumiu a presidência da SPTuris, a agência paulistana de promoção de turismo, na qual ficaria mais sete anos.

Quando finalmente deixou o cenário público, dedicando-se às aulas na Fundação Getúlio Vargas, e mais recentemente ao canal Arte 1, da rede Bandeirantes, mantém firme a tese que defendeu -sem sucesso algum, vale ressaltar- em todos os anos de sua gestão na área: "Não há nenhum motivo para existir um Ministério do Turismo". E ele mesmo acrescenta, resignado: "A não ser, claro, a necessidade política de criar cargos".

Para Carvalho, o que pode soar como contradição é, na prática, a essência de sua visão do negócio chamado turismo, que só entre janeiro e abril deste ano, de acordo com os números da Embratur, contabilizou divisas de R$ 10 bilhões saídos dos bolsos de 2,7 milhões de visitantes estrangeiros.

E foi sobre o potencial desse setor que ele falou à Folha de S.Paulo, em meio às notícias da iminente troca da atual ministra da área, Daniela Carneiro, pelo deputado Celso Sabino (União Brasil-PA).

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PERGUNTA - Por que o sr. defende a tese de que o país não precisa de um Ministério do Turismo?

CAIO CARVALHO - Tecnicamente, o que o país precisa é de uma administração direta que pense e crie políticas públicas. Isso pode ser feito por uma secretaria nacional, por exemplo, mas é importante que seja dentro de um ministério da área econômica, que pense a economia como um todo e trabalhe junto com a Embratur, que é a agência de promoção para o setor, não há nenhum motivo para termos um Ministério do Turismo. Falamos aqui de uma atividade muito importante para a balança comercial.

Eu sempre defendi que o turismo receptivo é um grande produto de exportação, porque quando o turista vem para cá, ele traz divisas, consome produtos brasileiros aqui, gera empregos e ainda paga o próprio frete. É assunto de economia, e a área econômica tem de entender isso.

O turismo é uma indústria que processa recursos naturais, culturais e humanos de uma maneira planejada. Quando o turista realiza seus sonhos, o empresário ganha dinheiro, e num país como o nosso é o turismo que vai justamente promover o desenvolvimento sustentável local com mais propriedade. E é importante lembrar que a cada dólar investido em atração de turistas para o país, contabilizamos um retorno de US$ 6.

P - Então, a existência de um Ministério do Turismo só se justifica como forma de criar cargos?

CC - Eu sei como é governo, qualquer governo, já fui governo e sei que é importante criar cargos por causa das barganhas políticas. Mas temos que separar as coisas, porque turismo é coisa séria e a discussão deve ir muito além de quem vai ser ou não ministro, isso não colabora em nada para o negócio.

P - E como vê a evolução do setor desde que o sr. deixou o ministério?

CC - Em 2003, nós tínhamos 5,370 milhões de turistas entrando no país. No primeiro governo Lula, o ministro da pasta, Walfrido Mares Guia, anunciou que saltaríamos para os 10 milhões em três anos. Só que 20 anos depois não chegamos nem aos 6 milhões.

P - A que o sr. atribui essa estagnação?

CC - Um dos principais motivos é o fator deslocamento. É preciso entender que para o turista chegar a algum lugar, ele vai ter de se deslocar e que para isso precisa de meios de transporte. Um dos problemas do Brasil, além da extensão territorial, é sua distância dos grandes centros internacionais emissores de turistas e o fato de não termos mais companhias aéreas como tínhamos no passado, com grandes malhas, uma Varig, uma Vasp, que podiam trabalhar lá fora o turismo receptivo e trazer gente para cá. Hoje, a Gol e a Azul fazem um bom trabalho, mas não conseguem escala suficiente que motive as grandes operadoras a fazerem reservas em quantidade significativa.

P - Por que isso?

CC - Quando você vai vender o país lá fora, o operador quer saber de quantos lugares ele vai dispor para transportar seus clientes. Ele não quer só dez, 11 lugares num voo, não compensa para ele. E, como a demanda está aquecida, há menos voos e os disponíveis estão lotados de brasileiros que vão para fora e voltam, sobram poucos lugares para oferecer aos operadores. Então, não podemos contar com esses turistas que vêm de longe, nem podemos achar que temos potencial para receber 30 milhões sob o argumento batido de que a França recebe 80 milhões de turistas por ano.

P - Mas não é verdade?

CC - Sim, recebe, mas desses 80 milhões, entre 75% e 76% chegam de carro, de ônibus, até de bicicleta ou a pé, de países vizinhos. No caso do México, que recebe 19 milhões de turistas, 92% são americanos. Ponha a Bahia no lugar da França, que ela vai receber esses milhões também.

P - Qual é a saída, então?

CC - Voltamos à questão do deslocamento. Um dado importante a considerar é que há 18 milhões de turistas dos países da América do Sul que viajam para países do hemisfério norte a cada ano. Ora, temos a oportunidade de aproveitar o olhar especial do presidente Lula (PT) para a América do Sul para investir na promoção do Brasil junto a nossos vizinhos e atraí-los para cá.

A Organização Mundial do Turismo aponta que 76% dos voos do mundo têm até seis horas de duração -as pessoas priorizam distâncias menores. Então, se já perdemos a oportunidade de fidelizar esses vizinhos na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos, e isso foi um grande desperdício, agora que não somos mais os párias do mundo, como nos últimos quatro anos de um governo desastroso, temos que trabalhar esse potencial de atração de turistas da vizinhança. Não custa lembrar que, daqueles 5 milhões e tanto que entraram no Brasil na nossa gestão, quase metade era de argentinos.

P - E como vê a situação da Embratur, que não conta com uma fonte de recursos própria?

CC - Esse sempre foi um problema, a agência foi criada sem definição de uma fonte de recursos. Há algumas soluções possíveis, como a que criamos no trabalho que desenvolvi no Peru, com a agência de promoção de lá. Lá estabelecemos uma taxa de US$ 26 que cada turista deixa à saída do país. Quando estava na Embratur, já discutíamos a criação de uma taxa, seria algo como US$ 10 da taxa de embarque de cada turista, o que criaria um fundo de promoção. Só que você mexe com interesses e, claro, nunca foi implementada.

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CAIO CARVALHO

Professor da FGV-SP. Foi presidente executivo da Organização Mundial de Turismo, ministro de Esportes e Turismo de FHC, e presidente da Embratur.


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