SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O olhar de Beatriz Diogo, 45, para o filho nos braços é contagiante. Reflete o alívio de ver o riso fácil de Gael, garoto paulistano de 5 meses, depois de um aborto anterior sofrido pela mulher. Ela, nascida em Luanda (capital de Angola), chegou ao Brasil cerca de dois meses antes do parto do menino. Os dois entraram para estatísticas de grávidas do país africado vindas a São Paulo para dar à luz.

O número de angolanas com filhos brasileiros recém-nascidos é o maior em cinco anos, ao menos na casa de acolhimento onde Beatriz e Gael estão abrigados, na Vila Clementino, zona sul paulistana.

No CAE (Centro de Acolhida Especial) para Mães, Gestantes e Bebês Amparo Maternal, 22 angolanas passaram por lá no primeiro semestre deste ano.

O número é 10% superior ao do mesmo período do ano passado (20 mulheres) e 37,5% acima do de 2018 (16), segundo a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.

No último dia 17, quando a reportagem esteve na instituição, das 26 migrantes abrigadas lá, 21 eram do país africano. O local vai expandir sua capacidade de 50 para 100 pessoas e vai receber mães com crianças de até 5 anos e 11 meses de idade, segundo a psicóloga Edilene Teixeira Silva.

A pasta municipal afirma que no comparativo do primeiro semestre entre os anos de 2018 e 2023, este é o que a Prefeitura de São Paulo mais acolheu angolanas na sua rede socioassistencial. Foram 1.093 pessoas dessa nacionalidade, alta de 66% em relação ao mesmo período de 2022, com 657 mulheres.

A secretaria não consegue mensurar quantas delas estavam grávidas ou haviam dado à luz recentemente.

Segundo o Observatório das Migrações Internacionais, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o número de registro de mulheres angolanas no estado de São Paulo subiu quase 30% no primeiro semestre deste ano na comparação com o de 2022, passando de 149 para 192, entre residentes e temporários.

As angolanas ouvidas pela reportagem disseram que buscam autorização para moradia no país por reunião familiar para depois tentarem trazer os demais parentes que ficaram em Angola. Também são atraídas pelo serviço público gratuito brasileiro.

O visto temporário já garante a elas todos os direitos civis, com exceção dos políticos. Entre eles, conforme a Constituição e a Lei de Migração, estão acesso aos serviços públicos de saúde, assistência social e educação, entre outros.

De acordo com as leis brasileiras, independentemente do visto que possui, ao dar à luz ao seu filho no país (que é considerado brasileiro nato), a imigrante poderá solicitar, junto a Polícia Federal, a autorização de residência por prazo indeterminado.

Foi com o trauma da falta de socorro após vários sangramentos que provocaram aborto na sua gravidez anterior, em 2020, e o sonho de uma vida melhor, que fizeram Beatriz deixar para trás marido e três filhas, de 25, 18 e 7 anos, e vir para São Paulo --ela pretende trazer a criança e o companheiro quando conseguir se estabelecer.

"Fui bem atendida aqui", afirma ela, sobre os últimos meses de gestação e o parto na maternidade da própria ONG.

Para Dirce Trevisi, procuradora aposentada do Ministério Público do Trabalho e autora do livro "Filhos, Saúde e Migração - Mulheres Angolanas em São Paulo", grupos em redes sociais informam essas gestantes sobre as condições no Brasil e o que vão encontrar aqui.

"Chegam sabendo até em quais hospitais poderão ser atendidas, há uma rede migratória importante", explica Trevisi, que além de advogada, tem formação como enfermeira obstetra e fez serviço voluntário na Missão Paz, ONG ligada à Igreja Católica no Glicério, região central, que acolhe migrantes, imigrantes e refugiados. .

A Caritas Arquidiocesana, que até 2018 encaminhava grávidas para ter o bebê no Amparo Maternal, disse que suspeitava da existência de uma rede que cobrava para trazer essas mulheres, porque elas chegavam ao Brasil já sabendo até o nome da assistente social que deveriam procurar.

A entidade, porém, afirmou que não tem provas do esquema. Desde 2018, ela passou a atender apenas refugiados.

Beatriz afirma ter conhecido no aeroporto de Luanda uma angolana moradora em São Paulo, que lhe abrigou até ir para um Cras (Centro de Referência de Assistência Social) e ser encaminhada ao centro de acolhida atual.

"Após o período crítico da pandemia [fim de 2021 e 2022], tivemos conhecimento que a embaixada brasileira em Luanda voltou a emitir vistos e que, desde então, o número de chegadas de angolanas grávidas é expressivo", diz trecho da nota.

Trevisi entrevistou 19 angolanas moradoras de São Paulo para sua tese de doutorado, sendo 14 grávidas. Elas apontaram que decidiram deixar seu país natal e vir ao Brasil para fugir da violência urbana e doméstica, devido à falta de trabalho e até poluição.

A maioria tinha trabalho informal na capital paulista na época da pesquisa, como de ambulante. "Elas vieram para dar à luz e resolver a situação migratória delas e da família depois", diz Trevisi.

Influenciaram na escolha do Brasil o fato de idioma ser o mesmo, a promessa de qualidade de vida e o fato dos serviços públicos de saúde e educação serem gratuitos, além do custo de vida ser menor na comparação com outros países.

"O que as escolas brasileiras fazem é um tesouro para essas mães", afirma a pesquisadora.

Colégio de graça é um atrativo e tanto para a família de Anabela Nsuka, 36, que deu à luz a um menino e a uma menina paulistanos, João e Martinel, em abril passado. "Lá é preciso pagar [para estudar]", afirma a mulher, que recentemente reuniu a família toda em São Paulo: o marido, outro casal de gêmeos, de cinco anos, e um menino, de oito.

Todos moram atualmente em um abrigo no centro da cidade. Na última quarta-feira (26), enquanto o marido fazia uma entrevista de emprego para ajudante geral e os três filhos maiores estavam na escola, mãe e os recém-nascidos foram à Missão Paz buscar cesta básica.

"Diariamente recebemos mães angolanas que procuram também fraldas, leite e até carrinhos para bebês", diz o padre Paolo Parise, coordenador no local, que afirma ter percebido aumento dessas mulheres em busca de doações neste ano. "Os números [de grávidas] tinham caído, mas voltaram a crescer e ainda não sabemos o motivo", diz Trevisi.

Na mesma fila estavam Xana Siala, 33, mãe de um menino nascido na capital paulista, e Angela Monsel, 27. No sétimo mês de gestação, ela foi buscar a cesta básica acompanhada de um filho de seis anos, com a mochila nas costas para ir à escola em seguida --a outra filha, de dois anos, estava na creche.

As duas e as crianças moram em uma ocupação na região da República, no centro, e os pais estão em Angola.

Essas mulheres, geralmente viajam em fim da gravidez --algumas companhias aéreas só permitem o embarque a partir da 30ª semana de gestação com atestado médico, por causa do risco de parto prematuro, de acordo com a Associação Brasileira das Companhias Aéreas.

Siala, que, segundo ela, estava no sétimo mês de gravidez (por volta da 30ª semana) quando desembarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em 17 de fevereiro, deu à luz quatro dias depois. "Minha barriga era pequena e eu não estava no nono mês", diz, sobre o fato de não ter sido importunada.


Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!