SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As mortes por intervenção policial da Operação Escudo, no litoral paulista, levaram até cinco horas para serem comunicadas a delegacias de forma a dar início à coleta de provas para investigação. Os boletins de ocorrência com depoimentos de PMs têm relatos similares sobre a maneira como os crimes ocorreram, normalmente com suspeitos não identificados que teriam atacado os agentes.
A demora entre o horário das mortes e a notificação da Polícia Civil contrasta com o caso que deu início à ação, no último dia 27. Para efeito de comparação, a morte do policial Patrick Bastos Reis foi informada 35 minutos após ter ocorrido. A primeira versão do boletim foi elaborada em menos de duas horas.
Ao todo, a Escudo resultou em 15 ocorrências com 16 óbitos. É a operação da Polícia Militar paulista mais letal desde o massacre do Carandiru.
Um total de 13 BOs (boletins de ocorrência) que narram confrontos com mortes pela polícia foram analisados pela reportagem. Desse total, 11 foram comunicados após um intervalo de mais de duas horas, sendo que seis casos levaram mais de três horas até serem repassados às delegacias.
A reportagem não conseguiu analisar os outros dois BOs. Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) não respondeu a pedidos de posicionamento.
O atraso na comunicação atrapalha o socorro à vítima e prejudica especialmente o esclarecimento do crime, segundo especialistas. "A demora na comunicação tanto à central da PM (Copom), quanto à Polícia Civil podem significar atraso no socorro especializado, prejuízo para a preservação do local de crime, e demora no deslocamento da equipe de investigadores da Polícia Civil", diz o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani.
"A Polícia Militar é uma das forças com mais protocolos. E ocorrências com morte ainda têm outras regras impostas por diretrizes da SSP, por exemplo. Quando há mortes suspeitas, circundadas por várias outras denúncias de abusos, todos os protocolos precisam ser checados e justificados", ele completa.
O episódio com a maior demora até que a delegacia fosse notificada ocorreu no morro do Jabaquara, em Santos. Foi a segunda morte do dia 1º de agosto, às 9h35. A Polícia Civil só foi informada da morte cerca de cinco horas depois, às 15h01, e o boletim só foi feito cerca de 27 horas depois, às 13h14 do dia seguinte.
A vítima desse caso é o ajudante de pedreiro Layrton Fernandes da Cruz Vieira de Oliveira, 22. Ele foi morto por policiais do Baep (Batalhão de Ações Especiais) quando ainda estava na cama, na casa de um amigo de infância, segundo familiares. Os PMs também mataram a tiros o cachorro da casa.
O mesmo ocorreu com Flavio Sérgio Menezes Cabral, que morreu menos de uma hora depois no mesmo bairro. Ele levou tiros de fuzil e pistola por dois PMs do 8º Baep que tem base em Presidente Prudente, no interior paulista. O boletim foi feito também às 13h14 do dia seguinte.
Dois vizinhos disseram à Folha que Cabral foi levado até o interior de uma casa e morto após dizer que tinha passagem na polícia. Os policiais disseram na delegacia que responderam a tiros disparados contra eles. A reportagem encontrou um cadastro de microempreendedor individual em nome da vítima, no serviço de entregas.
**Relatos de PMs nos boletins são similares**
Na maior parte dos casos, os mortos não estavam identificados quando a ocorrência foi comunicada. O nome de apenas cinco pessoas constava na primeira versão dos boletins. As outras vítimas foram registradas com nome desconhecido e uma delas como indigente.
Em ao menos cinco situações, os policiais dizem ter ido até uma casa ou barraco na favela por alguma atitude que consideraram suspeita e então foram surpreendidos por tiros em sua direção. Na maior parte, eles relatam que viram pessoas fugindo para o interior dessas casas, ou então que viram uma porta entreaberta após terem perseguido suspeitos.
Outra semelhança são descrições da situações em que os policiais estão na rua, veem um suspeito armado --ou com algo que aparenta ser o volume de uma arma sob a roupa--, que corre ou simplesmente dispara contra os policiais, sem aviso.
Em todos os registros há menção a suspeitos que usavam armas de fogo, mas os relatos variam entre casos em que eles estão apenas segurando pistolas, apontam as armas em direção à polícia ou chegam a atirar em direção à polícia.
Um boletim chegou a ser retificado para mudar a versão que os PMs contaram na delegacia. Esse caso ocorreu após uma morte no bairro de Pae Cará, em Guarujá. Quatro policiais contaram que um suspeito havia apontado uma arma contra eles.
A ocorrência ocorreu por volta das 20h10 do sábado (29), e a comunicação, às 23h. Cerca de meia hora após a elaboração do boletim por um escrivão da polícia, outro atualizou o documento para "retificar o histórico do boletim de ocorrência, o qual divergiu dos depoimentos dos policiais militares os quais declararam que o suspeito realizou disparos contra a equipe e no histórico essa informação está ausente".
Apenas um boletim faz menção ao uso de câmeras nos uniformes dos policiais. Esse caso ocorreu na manhã de domingo (30), e quatro PMs confirmaram que estavam com a câmera corporal. A ação terminou com a morte de Rogério Andrade de Jesus, na Vila Zilda, em Guarujá.
Essa ocorrência foi comunicada à polícia em cerca de duas horas. Ela é a única que menciona que os policiais teriam gritado para o agressor largar a arma antes de atirarem contra o suspeito. Nos outros 12 boletins, a câmera não é mencionada.
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