RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - Um estudo norte-americano revelou novos fatos sobre os processos de metabolismo da gordura pelo corpo, indicando uma nova estratégia de tratamento para doenças metabólicas como obesidade e diabetes. Os pesquisadores identificaram, a partir de testes em ratos, que um complexo de proteínas chamado AMPK é desativado quando o indivíduo recebe uma "supernutrição", mas que é possível "burlar" esse sistema eliminando o seu inibidor do organismo.

A dieta rica em gordura induz a produção pelo corpo do SAPS3, substância que é parte da proteína fosfatase 6 e que "desliga" o AMPK. Os autores descobriram, porém, que retirando o SAPS3 do corpo ou do fígado, os camundongos com alto consumo de alimentos gordurosos ficavam protegidos dos efeitos prejudiciais dessas refeições, pois as alterações metabólicas eram revertidas.

Em ratos com dietas balanceadas, por sua vez, a remoção do SAPS3 não provocou nenhuma alteração. Os resultados foram publicados na Revista Nature Communications por pesquisadores da Universidade da Califórnia de Irvine (UCI) e do hospital oncológico City of Hope National Medical Center, nos EUA.

A pesquisa aponta que, ao excluir o inibidor do indivíduo com dieta gordurosa, o AMPK é reativado e retoma sua função reguladora do metabolismo, controlando melhor um processo chamado "homeostase".

"Nossos resultados revelam que SAPS3 é um regulador negativo de AMPK e a supressão dele funciona como um guardião quando o metabolismo é perturbado. Representa uma estratégia terapêutica potencial para tratar síndromes metabólicas", afirmam no artigo.

EQUILÍBRIO NUTRICIONAL METABÓLICO

O AMPK detecta a nutrição do corpo e age para mantê-lo equilibrado. De acordo com nota divulgada pela UCI, quando esse complexo de proteínas, por exemplo, "detecta que a glicose do sangue está baixa, ele pode aumentar a quebra de lipídios para produzir energia em seu lugar".

Ingerir grandes quantidades de gordura bloqueia essa atividade do complexo causa o desequilíbrio que leva a quadros como o da diabetes ou o da obesidade.

Para saber como essa regulação funcionava, biólogos da UCI eliminaram o SAPS3 do genoma de um grupo de camundongos e os alimentaram com refeições com 45% de gordura.

No comunicado da UCI, Mei Kong, professor de biologia molecular e bioquímica e autor correspondente do estudo, afirmou que os resultados surpreenderam a equipe. "Remover o componente inibidor SAPS3 liberou a ativação da AMPK nesses camundongos, permitindo que eles mantivessem um equilíbrio energético normal apesar de comer uma grande quantidade de gordura", declarou.

Na prática, isso significou que os ratos que comeram muita gordura ainda assim mantiveram o peso normal, evitando a obesidade e o desenvolvimento de diabetes. Ying Yang, cientista do projeto, por sua vez, apontou à UCI que proposta de uma nova terapia toma como base o bloqueio da inibição e a reativação do AMPK nas pessoas.

"Pode ajudar a superar distúrbios como obesidade, diabetes, doença hepática gordurosa e outros", afirma. A próxima etapa é desenvolver moléculas que possam inibir o SAPS3 para restaurar o equilíbrio de metabolismo que não tiveram seu genoma alterado. Também devem estudar o papel do SAPS3 em outras condições de sistemas metabólicos perturbados, como câncer e envelhecimento.

A projeção da OMS (Organização Mundial de Saúde) é de que, até 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos ao redor do mundo estejam acima do peso, o que equivale dizer uma a cada três pessoas ou 32,5% da população do planeta. Destes, 700 milhões estarão obesos, com um índice de massa corporal (IMC) acima de 30.

Em âmbito nacional, de acordo com o Mapa da Obesidade da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), estima-se que metade da população (55,4%) já tem excesso de peso (IMC igual ou maior que 25). A obesidade atinge quase um quinto dos brasileiros (19,8%).

O médico endocrinologista Renato Zilli, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e do Corpo Clínico do Hospital Sirio Libanês, lembra que o sobrepeso e a obesidade são multifatoriais e que o corpo tende a manter o peso máximo atingido.

"O controle do peso no cérebro é uma coisa rígida. A pessoa pesa 70 quilos e, quando chega a 74 quilos, o cérebro entende que aquele é o setpoint e vai sempre tentar voltar para aquele valor cada vez mais alto", pontua Zilli.

Segundo o especialista, para manter esse marco, o corpo muda nossa percepção diante do alimento e também como metabolizamos o que ingerimos ?e por isso é tão difícil emagrecer quando se está acima do peso. "O cérebro começa a poupar caloria, deixa a comida mais gostosa, parece que dá mais vontade quando se come menos. Muitas vezes as pessoas entendem isso como uma falta de caráter, mas é uma coisa complexa, envolve vários fatores, comportamentais, genéticos, falta de sono e meio ambiente", diz o endocrinologista

No caso da gordura, o especialista conta que o consumo gera inflamações pelo corpo, afetando a microbiota intestinal, os vasos sanguíneos e o próprio cérebro. Para Zilli, a descoberta de novas terapias contra obesidade é positiva, mas melhoria da alimentação, prática de atividade física e qualidade de sono ainda vão ser necessários e prioritários para manter os índices de sobrepeso e obesidade mais baixos.

"Esse estudo [norte-americano] mostrou que alterando o genoma dos ratos e nocauteando a expressão dessa proteína, não havia impacto da gordura [no corpo]. É mais uma via metabólica, mas a mudança do estilo de vida ainda é o mais importante. Medicamento não funciona sozinho, medicação é adjuvante", reforça.


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