PORTO ALEGRE, RS E RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - A adoção de câmeras corporais pelas polícias militares do Brasil pouco avançou em dois anos. Conforme levantamento da Folha nas secretarias estaduais e do Distrito Federal, somente sete estados dizem utilizar os equipamentos nos uniformes da PM.

De todas unidades da federação, apenas Rondônia não respondeu à reportagem. Segundo o governo local, os dados estão em sigilo em respeito a um decreto de abril de 2021 que proíbe a divulgação de diversos dados de segurança pública, exceto em casos de determinação da Justiça.

São Paulo, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e Santa Catarina informaram adotar as câmeras, uma evolução frente a três estados que, em agosto de 2021, disseram à Folha utilizar os equipamentos (São Paulo, Santa Catarina e Rondônia, que agora omite os dados), o uso das câmeras ainda é tímido.

Apenas São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina têm um número de câmeras superior a 10% do seu contingente policial. Os três estados reúnem 93% das câmeras em operação no Brasil. Rio Grande do Norte tem apenas 15 câmeras já em operação. Em Roraima, são 40.

O número ideal de câmeras corporais para o efetivo é um dos pontos nebulosos da adoção do sistema. Santa Catarina, por exemplo, disse que adquiriu número de câmeras suficiente para que, a cada dois policiais em serviço, um esteja equipado. O estado tem 2.245 câmeras para um efetivo de 9.952 PMs.

São Paulo, por sua vez, diz usar câmeras em 52% do efetivo na capital e região metropolitana e em batalhões pontuais no interior, como Santos, Guarujá, Campinas, Sumaré e São José dos Campos.

A Secretaria da Segurança Pública diz que levantamentos internos justificam a decisão recente de redistribuir 400 das 10.125 câmeras para agentes de trânsito, que gerou críticas. Segundo a pasta, a medida não prejudicou batalhões que já dispõem das câmeras.

Não faltam planos de adoção ou expansão Brasil afora. Se confirmadas as previsões das secretarias, o número pode crescer 50% dentro de um ano. O Pará, por exemplo, que atualmente usa 390 câmeras, pretende expandir até o final do ano para 3.900 câmeras.

O Governo da Bahia, estado que enfrenta atualmente alta letalidade da sua polícia, afirmou que pretende implementar 3.200 câmeras dentro de um ano. As primeiras mil devem estar em operação em 60 dias a partir da assinatura de contrato com uma empresa já selecionada.

Ao todo, 13 unidades da federação entre as 20 que não usam câmeras declaram intenção de usar ou já fizeram algum tipo de movimento nesse sentido. Distrito Federal, Espírito Santo, Paraná, Piauí e Rio Grande do Sul estão em fase de licitação dos equipamentos, mas há entraves burocráticos.

No RS, por exemplo, uma licitação foi realizada em maio para a compra de 1.100 equipamentos, mas as duas primeiras empresas foram desclassificadas. A documentação da terceira colocada está em análise. O debate sobre câmeras veio à tona no estado há um ano, quando um jovem de 18 anos em São Gabriel foi abordado por três policiais militares e apareceu morto em um açude. Eles estão presos preventivamente.

Há também estados que estão testando os equipamentos, como Pernambuco, que fez um contrato por um ano com uma empresa para colocar 187 câmeras no batalhão policial responsável por duas cidades satélites de Recife ?Paulista e Abreu e Lima. O Amapá também diz estar em fase de testes, embora não divulgue o número de equipamentos. Acre e Alagoas afirmam que a implementação está em estudos.

Outros três estados ?Amazonas, Mato Grosso do Sul e Paraíba? declararam que aguardam uma diretriz do Ministério da Justiça, que determinaria aos estados parâmetros que balizariam o tipo de equipamento necessário, a quantidade de câmeras proporcional ao efetivo, o manejo dos dados e protocolos para pontos sensíveis, como a privacidade dos policiais e das pessoas filmadas.

Essas diretrizes estão em elaboração pelo ministério, que desde maio também estuda a implementação de câmeras para agentes da Polícia Rodoviária Federal.

Pesquisador em direitos humanos e autor de artigo científico recente comparando experiências internacionais do uso de câmeras corporais, o jornalista e sociólogo Marcos Rolim atribuiu a lentidão na adoção de câmeras à tensão política entre governadores e corporações policiais. Ele acredita que a adoção pode levar décadas, se não houver pressão da sociedade civil pela implantação.

"A gente tem um histórico no Brasil de atividade policial sem controle externo. As polícias são um contingente muito grande e forte politicamente. Em um contexto em que qualquer tipo de controle é visto por muitos policiais como problema, as câmeras geram uma reação corporativa muito forte. O melhor para o governador sempre é não se incomodar com elas, e isso vale para esquerda, direita, qualquer espectro político", diz Rolim.

POLÍTICA AINDA TEM DESAFIOS

A comparação entre as experiências internacionais, apesar das diferentes formas e contextos de aplicação, apontou benefícios da política.

"O uso de câmeras não traz nenhuma ameaça aos policiais, pelo contrário. Elas reduzem a agressividade das pessoas, melhoram a relação com as comunidades e melhoram, claro, o controle de qualidade da intervenção policial. Outra conclusão diz respeito ao tipo de tecnologia e quando ela é utilizada. Se o policial puder ligar e desligar o equipamento quando quiser, esquece. É colocar dinheiro fora", diz Rolim.

Pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Dennis Pacheco aponta também a necessidade de um regramento claro sobre quando filmar as ações e sobre o acesso às imagens por instâncias de controle, o que pode vir do Ministério da Justiça. Ele cita as discrepâncias entre os relatos de moradores durante a Operação Escudo, em Guarujá (SP), e as imagens fornecidas ao Ministério Público.

"Não fica claro quais policiais estavam utilizando câmeras, qual o contexto e responsabilidades. Não fica claro quem pode acessar, como a sociedade civil, as famílias e parentes de vítimas. Isso pode ser uma das principais falhas", diz o pesquisador.

No Rio de Janeiro, onde 9.524 câmeras estão em operação, a Defensoria Pública também questionou o acesso às imagens filmadas pela PM. Em documento enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal) no dia 24, o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos do órgão relatou ter feito 90 pedidos de acesso a imagens à PM, mas recebido em troca oito respostas, três delas com links vazios.

A PM argumentou que a maior parte dos pedidos foi de imagens que haviam sido descartadas após 60 dias pois não havia registros de ocorrência.


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